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Opinião: a qualidade do dinheiro e sua relação com uma cultura consumista ou poupadora

Nos últimos 10 anos, o Brasil experimentou um enorme boom no que diz respeito ao interesse por investimentos.

Por todos os lados, diversas empresas, escolas e profissionais especializados em finanças tem ressaltado a importância da aplicação de parte do nosso dinheiro em algum tipo de produto que nos traga alguma rentabilidade no curto, médio ou longo prazo.

Além do grande crescimento dos cursos e materiais sobre investimentos, houve também uma grande proliferação de tipos de investimentos. Antes restritos apenas a famigerada poupança, a oferta passou a crescer ainda mais. Hoje temos títulos públicos, debêntures, ações e até mesmo investimentos fora do país.

Que a taxa de poupança do brasileiro é baixa não se trata de uma novidade. Mesmo com o aumento do interesse por investimentos mais diversificados nos últimos anos, ainda é gigantesco o número de pessoas que simplesmente não possuem sequer um real investido. Segundo uma pesquisa, cerca de 62% da população economicamente ativa do país não conhece ou faz nenhum tipo de investimento.

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E, para piorar ainda mais os números, mesmo os 24% que afirmaram investir dinheiro mostraram um conhecimento extremamente fraco sobre esses produtos. A caderneta de poupança, o pior investimento do mercado, ainda é a grande preferência: 16% afirmam investir nela. O interesse pelo mercado de ações, que recentemente obteve grande destaque devido aos recordes passados da bolsa, não chega nem a 2% da população.

A situação de ignorância econômica do brasileiro médio é tão alarmante que, durante as entrevistas para a pesquisa citada acima, itens de consumo pessoal, como roupas e cosméticos, chegaram a ser citados como opção de “investimento” por parte do público.

Certamente existe algo muito errado quando uma pessoa aponta camisetas e produtos de maquiagem como um “investimento”, não acham?

E, no texto de hoje, resolvi trazer uma das razões pelas quais acredito que essa cultura de desconhecimento de investimentos e de pouco apreço pelo dinheiro — quase 60% dos brasileiros gasta mais do que recebe — seja tão forte não apenas no Brasil, mas em diversos países mais pobres ao redor do mundo: a qualidade do dinheiro.

A desvirtuação do dinheiro bom


dinheiro é o meio usado na troca de bens, na forma de moedas ou notas (cédulas), usado na compra de bens, serviços, força de trabalho, divisas estrangeiras ou nas demais transações financeiras, emitido e controlado pelo governo de cada país, que é o único que tem essa atribuição. É também a unidade contábil. Seu uso pode ser implícito ou explícito, livre ou por coerção. Acredita-se que a origem da palavra remete à moeda portuguesa de mesmo nome (o dinheiro).”


A definição de dinheiro trazida acima, retirada do site Wikipedia, chega a ser mais desconhecida pelos brasileiros do que as categorias de investimento existentes no mercado nacional. De fato, à exceção de economistas e alguns entusiastas de História, praticamente ninguém sabe como funciona o bem mais utilizado da nossa sociedade.

Usamos dinheiro em praticamente qualquer situação: para comer, para nos divertir, para nos vestir. Até mesmo para sair de casa precisamos de dinheiro — especialmente quem mora longe do centro ou em bairros com pouca oferta de serviços locais. Aceitamos dinheiro em troca de serviços que prestamos ou de produtos que vendemos, e damos esse dinheiro em troca dos mesmos produtos e serviços que consumimos.

Entretanto, dificilmente alguém para e reflete: será que o dinheiro que estou utilizando é de boa qualidade? Geralmente se pensa na qualidade dos alimentos, das roupas, até mesmo na qualidade de um livro, ao fazer uma compra. Mas nunca se pensa se o meio de troca usado naquela transação é de fato um bem de qualidade ou não.

Hoje, infelizmente, estamos em uma era onde o dinheiro utilizado é de péssima qualidade. Não importa em qual país você viva, seu dinheiro possui como métrica de qualidade uma mera confiança. Ele depende de quem detém o poder de emiti-lo — no caso, de quem estiver no comando do banco central ou quem tiver o poder de indicar o comandante deste banco.

Utilizamos diariamente cédulas de papel e as recebemos em troca de computadores, pratos de comida e até mesmo casas. Agora, vamos refletir e pensar: será que, em circunstâncias normais, alguém trocaria uma casa ou um carro por pedaços de papel coloridos, independentemente do que estivesse desenhado neles? Você trocaria?

Hoje nós trocamos, graças a um instrumento chamado de lei de curso forçado. Na prática, essa lei torna um crime utilizar como dinheiro qualquer outro bem que não seja chancelado pelo estado. Se o estado obriga os cidadãos de um determinado território a utilizarem papel como dinheiro, eles serão utilizados como dinheiro.

E se alguém tentar usar qualquer outro bem de melhor qualidade e valor como dinheiro? Infelizmente, terá que responder perante a força da lei estatal, a qual possui o monopólio oficial do uso da força — assim como o monopólio de fornecer um dinheiro de baixa qualidade.

Esse monopólio acabou trazendo o fim do uso do dinheiro de melhor qualidade já descoberto e utilizado pela sociedade em toda a história: o ouro. O “vil metal”, como já foi chamado de forma pejorativa, serviu como dinheiro por séculos. Ele foi escolhido para tal fim por causa de suas características naturais: resistente a corrosão do tempo, possui alta divisibilidade, ter vários usos externos e pelo seu valor estético (o que o faz ser utilizado para fabricação de joias até hoje).

Com o tempo, o ouro acabou gerando o sistema que ficou conhecido como padrão-ouro clássico. Nesse sistema, as cédulas de papel eram utilizadas meramente como meio de facilitar pagamentos, porém tinham o seu valor sempre lastreado em ouro. Lastro esse que foi totalmente destruído em 1971, com a abolição do ouro como dinheiro.

Mas, antes mesmo desta data, a redução drástica dos fundamentos do padrão-ouro começou a gerar os maiores desastres da história monetária.

As consequências do uso do dinheiro ruim


maior falha da estrutura de mercado, qual seja, sua suscetibilidade à depressão e ao desemprego periódicos — objetos de justificada censura –, é consequência do milenar monopólio governamental sobre a emissão da moeda.” (Friedrich Hayek)


O fim do regime de padrão-ouro começou a ser costurado durante a Primeira Guerra Mundial. Durante o conflito, os países beligerantes precisavam se livrar das amarras impostas pelo lastro do ouro em suas moedas. E, pouco a pouco, começaram a fazê-lo.

E, de forma rápida e dolorosamente fatal, as consequências desse ato se manifestaram. Não é à toa que a hiperinflação mais conhecida da história teve origem exatamente depois da guerra, na Alemanha, em 1923.

Durante nove anos, de 1914 a 1923, o governo alemão imprimiu seguidamente quantidades cada vez mais extraordinárias de dinheiro, sem nenhum respeito ao lastro em ouro, para financiar os seus esforços de guerra. Com a derrota alemã, em 1918, todo o ouro dos cofres do país acabou sendo confiscado pelos vencedores (França, Inglaterra e Estados Unidos) como forma de indenização pelo conflito.

E deu-se o caos pois, em nove anos, o marco alemão simplesmente despencou de valor: saiu de 4,2 marcos por dólar em 1914 para 4,2 trilhões de marcos por um dólar em 1923.

Para se ter uma ideia, um simples ovo chegou a custar mais de 500 milhões de marcos para ser comprado, no auge da hiperinflação do país.

E esse foi apenas o primeiro e mais famoso caso de descontrole financeiro. Após a Primeira Guerra, nenhum país experimentou uma sucessiva queda de preços aliada a um aumento do nível geral de riqueza — algo que era comum até o final do século XIX. Casos como o Zimbábue em 2008 e a Venezuela atual parecem ter mostrado uma triste diretriz: o dinheiro ruim, portanto, veio para ficar.

As consequências

O Brasil não ficou imune a esse processo. Embora nossa inflacão não tenha sido tão devastadora quanto a da Alemanha (um 7×2, por assim dizer), ela teve a maior duração entre todas, com quase 15 anos. Só veio acabar com a implantação do Plano Real, em 1994.

Antes do Plano Real, o país jamais havia experimentado um ciclo duradouro de uma moeda estável. À exceção do período imperial, que acabou no final do século XIX, a regra brasileira era ter uma moeda fraca, totalmente manipulável pelo governo, cujo poder de compra mal chegava a durar um mês completo.

Devido a esse histórico de irresponsabilidade no trato com a moeda por parte de seu emissor, o estado, a cultura de desleixo e temor em poupar acabou se espalhando para o restante da população, de forma involuntária. Não havia qualquer incentivo para guardar nenhuma quantidade de dinheiro para o futuro — qual era o sentido em economizar um dinheiro que perdia 90%, 100% ou até mais de seu valor a cada mês?

Mesmo a adoção do real não trouxe grandes soluções ao problema. Se, por um lado positivo, deixamos de lado os 100% ao mês de inflação, por outro tivemos uma alta de preços gradual e de longo prazo. Desde sua criação, a moeda brasileira perdeu quase 90% de seu valor. Algo nem um pouco confiável para uma moeda que possa ser utilizada no longo prazo. Quem iria investir sua riqueza de anos em um dinheiro que perde seu valor a cada dia, seja de forma abrupta ou de forma gradativa?

Isso, também, traz uma explicação ao fato de que temos diversos produtos de investimentos atualmente. Não apenas dispomos de uma economia mais complexa e diversificada, como também esses produtos se tornaram uma forma de todas as pessoas — do grande investidor até a dona de casa — se protegerem contra a destruição da moeda.

O papel do Bitcoin

O paradigma de nos livrarmos de uma moeda ruim e com poder de compra decrescente parecia insolúvel. Comprar ouro, uma das formas clássicas de proteção, demanda um processo muito complicado de cadastro, sem falar nos riscos de armazenar o metal consigo.

Com o Bitcoin, os riscos e complicações tornam-se praticamente nulos. Armazenar bitcoins é algo que pode ser feito com um simples smartphone, e não demanda nenhum processo longo e complexo de cadastro: basta usar uma simples carteira e comprar a moeda, partindo de qualquer valor.

Essa facilidade de uso e aquisição se refletiu nos valores apresentados pelo mercado, que cresceu exponencialmente em 2017 e continua apresentando números relevantes em 2018. Apesar da queda de preço dos ativos, aumentou o interesse pelos projetos, a quantidade de pessoas utilizando como moeda corrente (a verdadeira moeda livre) e consolidando seu papel como uma forma alternativa de meio de troca.

O aumento do interesse pela classe de ativos digitais significa um aumento no interesse de ativos que mantenham distância das intervenções do estado, por ativos que não sejam valorados e lastreados em uma moeda fraca e manipulável. Tal interesse se reflete nos números brasileiros, que mostram o número de cadastros em corretoras de Bitcoin superando os cadastros em bolsa de valores numa proporção de 2 para 1.

Com o aumento do interesse pelo Bitcoin, podemos ver um crescente aumento no número de interessados em conhecer como o dinheiro funciona — e, principalmente, como ele pode funcionar sem precisar ser emitido pelo estado. E, talvez, vejamos a cultura de gasto e prodigalidade trazida pelas moedas estatais ser (novamente) substituída pela cultura de longo prazo e responsabilidade financeira. Algo que só uma moeda forte pode ajudar a consolidar.

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Luciano Rocha

Luciano Rocha é redator, escritor e editor-chefe de newsletter com 7 anos de experiência no setor de criptomoedas. Tem formação em produção de conteúdo pela Rock Content. Desde 2017, Luciano já escreveu mais de 5.000 artigos, tutoriais e newsletter publicações como o CriptoFácil e o Money Crunch.

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