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Cripto-anarquistas constroem ferramentas para resistir ao Estado no Leste Europeu

“Isso é realmente o que Satoshi esperava há 10 anos?”

Essa foi a pergunta feita pelo ativista Pavol Luptak, na abertura de um novo centro de cripto-anarquia, o Paralelni Polis, em outubro deste ano. O projeto constitui em um local que fica na cidade de Bratislava, Eslováquia, e tem como proposta criar um sistema “alternativo” ao poder estatal.

Citando novas infra-estruturas de vigilância, impostos mais pesados ​​e a adoção de blockchain por atores estatais, Luptak pediu um retorno à visão política que sustentava o Bitcoin em seu início – ou o que ele chama de “renascimento das criptomoedas”.

Luptak, cofundador da Paralelni Polis em Bratislava e Praga, na República Tcheca, e seus associados estão comprometidos com a questão de como usar tecnologias descentralizadas para libertar os indivíduos do controle estatal.

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A seus olhos, o Bitcoin e as criptomoedas não podem ser distinguidos do clima político do qual surgiram – o movimento cypherpunk, com seu foco em privacidade e na liberdade individual. Ao fornecer uma alternativa radical ao sistema bancário, essa visão se distingue de uma indústria que, para alguns, tornou-se definida pelo uso de criptomoedas como investimentos especulativos.

“Percebemos as criptomoedas como uma ferramenta de liberação”, disse Luptak em entrevista à CoinDesk.

E é o Paralelni Polis – que Luptak chama de “think tank de liberdade” – que busca servir como um terreno fértil para essas ideias. A Paralelni Polis, cujo nome em grego significa “cidade paralela”,  é como muitos centros de criptomoedas em todo o mundo.

O projeto concentra-se na educação, nos encontros, espaços de trabalho colaborativo e na caminhada dos recém-chegados através do processo de conversão de suas moedas estatais em criptomoedas, em operações como a compra de um café, por exemplo.

Porém, Paralelni Polis destaca-se por sua recusa aberta em cooperar com os governos; seu papel em nutrir projetos que ativamente antagonizam o estado; e sua missão de fornecer aos indivíduos as ferramentas para se desassociarem dele.

“Usamos tecnologias de criptomoedas para manter nossa comunidade segura e eliminar quaisquer impactos negativos de decisões políticas feita por políticos e massas democráticas”, disse Luptak, acrescentando:

“Somos uma minoria e usamos tecnologias de criptomoedas para construir nossa própria sociedade paralela com pessoas iguais ou com a mesma mentalidade. É por isso que temos o Paralelni Polis.”

Cidade paralela

O termo “cidade paralela” é uma referência às ideias do dissidente político Vaclav Benda, membro do grupo ativista Carta 77, que se levantou contra o governo socialista da Tchecoslováquia no final da década de 1970.

Em um manifesto do mesmo período dirigido a seus colegas ativistas, Benda argumentou contra os protestos como meio de mudar o sistema. Em vez disso, Benda pediu a criação de instituições paralelas que ofereçam uma alternativa mais justa e mais humana aos sistemas estatais.

A capacidade de sobrevivência dessa instituição paralela também serviria de medida para a liberdade – ou autoritarismo – da sociedade externa.

“Ele definiu que o único sistema livre é um sistema capaz de aceitar e tolerar um sistema paralelo”, disse Luptak.

Em 2014, Luptak e outros fundaram o Paralelni Polis em Praga, que combinou as ideias de Benda com tecnologias descentralizadas e recém-descobertas, em um esforço para promover um tipo de sociedade paralela.

“Nosso objetivo é tornar o estado obsoleto, construir, desenvolver e melhorar uma sociedade paralela, então, finalmente, as pessoas param de perceber que o estado existe. Eles não precisam disso”, disse Luptak.

E nos anos desde a sua criação, o impacto que o Paralelni Polis teve na área circundante em Praga é tangível.

Por exemplo, o Bitcoin possui maior aceitação em Praga do que na maioria das cidades europeias – um fato que se torna mais notável quanto mais próximo você estiver do Paralelni Polis.

De acordo com Josef Jelacic, um embaixador do braço de Praga do instituto, parte dessa adoção surgiu devido ao papel que o centro desempenhou ao permitir que as pessoas testassem a moeda em tempo real. Luptak observou outras razões para a popularidade do Bitcoin, incluindo preocupações sobre bisbilhotar por reguladores financeiros.

“Somos um país com graves problemas, como os outros”, disse Luptak. “Na República Tcheca, há vigilância financeira completa.”

Sistemas subversivos

Para entender por que esse apelo existe hoje, podemos analisar  o fato de que na República Tcheca e na Eslováquia, o uso de dinheiro vivo está se tornando cada vez mais desencorajado – algo que está ocorrendo também em toda a União Europeia.

Por exemplo, transações pessoais em dinheiro acima de €15.000 são proibidas, enquanto as empresas são proibidas de gastar mais de €5.000 em dinheiro. Além disso, como em muitos lugares do mundo, valores acima de €10.000 em dinheiro não podem ser transportados através das fronteiras sem ser declarados.

Uma nova lei chamada Evidência Eletrônica de Transação (EET, na sigla em inglês) está em vigor na República Tcheca, e está sendo analisada pela Eslováquia, o que significa que todas as transações – até transações em dinheiro – são digitalizadas e “imediatamente enviadas aos órgãos estatais”, Luptak disse.

“A situação é tão ruim ou pior em outros países europeus”, disse Luptak.

Mas Luptak acredita que, quanto mais opressivos esses sistemas se tornam, mais as pessoas vão encarar os criptoativos como uma alternativa.

“Acredito firmemente que quanto mais regulamentações e leis estúpidas tivermos,  mais oportunidades de negócios alternativos também teremos”, disse Luptak.

Um monte de tecnologia

Falando no evento de abertura do Paralelni Polis em Bratislava, Luptak criou um cenário para um futuro sem controle governamental.

Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs) substituiriam a governança tradicional. A stablecoin MakerDAO poderia oferecer uma alternativa para empréstimos bancários, e até mesmo o sistema legal pode ser oferecido por uma alternativa descentralizada, como a Kleros.

Em tal futuro, o papel dos políticos é completamente deslocado, argumentou Luptak, e as comunidades criptoanarquistas podem adquirir ainda mais privacidade usando criptomoedas anônimas como o Monero.

Ainda assim, a infra-estrutura de anonimato em criptomoedas tem um longo caminho a percorrer, um ponto observado pelo desenvolvedor Frank Braun, que apresentou em Bratislava o que ele chamou de “pirâmide da tecnologia da cripto-anarquia”.

De acordo com Braun, uma pilha de tecnologia completa de criptoanarquia deve começar com dispositivos seguros. A partir daí, os desenvolvedores podem criar softwares que podem oferecer suporte a mensagens anônimas, dinheiro digital, pseudônimos, mercados negros e interfaces físicas que formam um elo entre o mundo digital e o físico, como os drones.

“Queremos construir uma economia livre de vigilância e de tributos, a partir do zero”, disse Braun.

Dando o exemplo do fechamento dos mercados da deep web, Braun advertiu que “você não pode construir uma pirâmide na areia movediça”. Fraquezas nas camadas subjacentes significam que qualquer coisa construída sobre ela cairá.

“Você tem essas camadas e quando tira uma camada inteira, ela desaparece. Então tudo ao seu redor entra em colapso”, disse Braun à CoinDesk.

Ainda assim, Braun terminou com uma nota de otimismo, insistindo que muito do trabalho acadêmico foi feito para implementar sistemas anônimos mais robustos.

E é devido a essa base técnica que Luptak diz que a criptoanarquia é mais do que uma ideia. “Para mim, a criptoanarquia é uma estratégia. Algumas pessoas consideram que é uma ideologia, mas para mim é uma estratégia, uma maneira prática de mudar o status quo”, disse Luptak, acrescentando:

“Criptoanarquia funciona. Esses mercados de criptoativos estão funcionando. É altamente pragmático e não apenas ideológico.”

Criptoativos como uma defesa

Segundo Braun, a criptoanarquia é “subversiva” e envolve a construção de um novo espaço fora da sociedade.

“Se você quiser criar uma alternativa, você deve estar separado do resto”, disse ele.

Por causa disso, Braun critica a ênfase que os apoiadores do Bitcoin frequentemente colocam na adoção pelos mercados mainstream, argumentando que muitos recém-chegados dentro da indústria não compartilham das origens políticas do criptoativo.

“Eu não estou dizendo que não desejo que mais pessoas usem Bitcoin, mas eles o enfraquecem e então todo o aspecto revolucionário se perde”, disse Braun.

E como a criptopararquia se situa à distância da sociedade dominante – e muitas vezes em relação antagônica a ela – os participantes precisam ser capazes de se proteger também. Como tal, Braun descreveu tais sistemas são fundamentalmente “tecnologia defensiva”. “Não são sistemas agressivo”, disse.

Ainda assim, para os Paralelni Polis manter uma relação totalmente antagônica com o estado não é uma abordagem fácil de se tomar. Isso ocorre porque embora a postura formal do instituto seja rejeitar o governo, como um instituto físico, ele não pode se dissociar completamente dos estados tcheco ou eslovaco.

Atualmente, o centro em Bratislava não é totalmente legal, mas o objetivo é que ele seja totalmente registrado. O Paralelni Polis em si é uma organização sem fins lucrativos, e é reconhecida pelo governo como tal.

“Somos uma organização sem fins lucrativos porque ainda temos que interagir com o mundo fiscal de alguma forma”, explicou Luptak.

E a luta de boicotar ativamente o estado – ao mesmo tempo em que foi forçada a trabalhar dentro de sua jurisdição – ficou bem clara na pós-festa após a abertura oficial em Bratislava.

Apesar da proibição declarada do instituto de funcionários do governo entrarem no espaço, a polícia chegou e exigiu que a música fosse desligada. E com um suspiro de resignação, o barista do Paralelni Polis obedeceu.

“Este foi o primeiro conflito com a polícia e devemos definitivamente esperar outros no futuro”, disse Luptak, concluindo que “se você vive em um mundo físico e tem um lugar físico, estará sempre vulnerável ao poder do estado e de suas interações”.

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Luciano Rocha

Luciano Rocha é redator, escritor e editor-chefe de newsletter com 7 anos de experiência no setor de criptomoedas. Tem formação em produção de conteúdo pela Rock Content. Desde 2017, Luciano já escreveu mais de 5.000 artigos, tutoriais e newsletter publicações como o CriptoFácil e o Money Crunch.

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