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Bitcoin e imposto de renda: saiba quem é o alvo da Receita Federal e os problemas dessa briga

Em janeiro de 2019, a Receita Federal foi atrás de um dos maiores empresários do mercado de Bitcoin no Brasil e exigiu informações detalhadas sobre operações realizadas no decorrer dos últimos anos. No mês seguinte, o órgão do governo também solicitou esclarecimentos referentes às movimentações realizadas por uma das empresas pertencente à pessoa citada. O caso chamou a atenção por ter sido talvez a primeira vez que auditores fiscais “bateram à porta” de alguém que atua no ecossistema de ativos digitais de forma ativa.

Escrevo este artigo para revelar que o empresário em questão é Rocelo Lopes, proprietário da coinBR e de outras companhias que atuam no segmento de criptoativos no Brasil e no exterior.

Além disso, também pretendo discutir pontos de conflito e sugerir soluções para alguns dos problemas que envolvem a declaração no imposto de renda daquilo que a Receita Federal chama de “moedas virtuais”.

Segue aqui um breve resumo da fiscalização em curso da Receita sobre a pessoa física de Rocelo Lopes e também sobre a pessoa jurídica da coinBR.

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Segundo a Receita, Rocelo não declarou ao órgão, em nenhum momento, a posse de Bitcoin ou qualquer outro ativo digital. De acordo com as regras do órgão fiscal brasileiro, todas as pessoas que detêm “moedas virtuais” são obrigadas a declarar a posse do ativo (nota: vale ressaltar que existe uma diferença clara entre i) declarar a posse e ii) pagar algum imposto devido em decorrência de operação que tenha gerado ganho de capital. Mais adiante, exploraremos as nuances desta “obrigação”).

O motivo de Rocelo não ter declarado a posse de Bitcoins é que, desde 2015, ele não possui residência fiscal no Brasil. E é justamente nesta questão que persiste a discussão.

Para a Receita, Rocelo Lopes reside, sim, no Brasil, pois sua família mora no país e ele até mesmo chegou a declarar para a polícia civil de Florianópolis que reside na cidade.

Enquanto isso, Rocelo afirma que não possui residência no país e que não passa mais do que 183 dias por ano no Brasil, como prevê a instrução normativa da Receita Federal que define o conceito de domicílio fiscal.

No que diz respeito à coinBR, a Receita exigiu, dentre outras informações, as demonstrações contábeis da companhia, extratos de contas bancárias, documentos fiscais e comprovantes das operações com valor igual ou superior a R$50 mil.

Durante longa conversa que tive com Rocelo nesta semana, ele me explicou que tudo o que a Receita pediu em relação à coinBR está em ordem, que todas as notas fiscais referentes às operações foram emitidas e apresentadas à Receita e que nada referente a este caso lhe preocupa.

De volta ao termo de fiscalização que envolve a pessoa física de Rocelo, temos duas possíveis situações. Se a Receita não consiga provar que Rocelo efetivamente reside no Brasil, ela não poderá exigir que ele apresente as informações requisitadas pelos auditores. Caso contrário, Rocelo passaria a ser obrigado a fornecer as informações.

Para efeito de exercício imaginativo e discussão aprofundada dos problemas que envolvem o Bitcoin e a declaração de imposto de renda, vamos supor por um momento que Rocelo tenha que apresentar à Receita as informações que lhe foram exigidas.

A Receita entende o Bitcoin?

À primeira vista, parece óbvio que a Receita Federal ainda não se esforçou suficientemente para entender detalhadamente o funcionamento do mercado de Bitcoin. Ao exigir comprovantes das transações e notas de corretagem, a Receita assume que todas as operações deste mercado são realizadas por meio de corretoras de criptoativos. Além disso, o órgão do governo também considera que as corretoras possuem, na íntegra, os registros dessas operações.

Sinto muito em informar à Receita que talvez nenhuma corretora brasileira consiga prover com exatidão o histórico de negociações de algum usuário desde o ano de 2015.

A Receita também erroneamente parece assumir que todas as transações envolvem conversão de ativos digitais para moedas estatais (em papel). Diante desta premissa, ela desconsidera transações que são denominadas puramente na unidade de conta do ativo digital em questão. Por exemplo, se um consultor cobrar 0.1 Bitcoin por hora de trabalho, isso não necessariamente significa algum valor em moeda fiduciária. Se alguém manda tal valor de uma carteira para outra, não existe qualquer conversão de valores, existe apenas uma transferência de titularidade da propriedade digital de determinado UTXO (aposto que os auditores não sabem o que é essa sigla significa).

Fica a dúvida: se Rocelo não manteve qualquer comprovante e nota de corretagem consigo e se as corretoras não forem capazes de prover tal informação, como a Receita irá lidar com a situação?

Na minha opinião, parece um pouco descabido cobrar informações relativas ao passado sendo que não existia, e ainda existe, regulamentação clara sobre este mercado.

O maior problema de todos: a segurança dos dados informados

No famoso Perguntão, documento de perguntas e respostas, que a Receita publica todos os anos para esclarecer dúvidas sobre a declaração de imposto de renda, existem algumas poucas e confusas linhas escritas sobre a maneira pela qual os contribuintes devem declarar a posse de “moedas virtuais”.

Pelo texto, fica claro que a Receita obriga aqueles que possuem moedas virtuais a declarar no imposto a quantidade que detêm e o valor de aquisição. Mais uma vez, a Receita exige que a pessoa guarde documentação que comprove e a autenticidade dos valores. Ora, alguém precisa explicar ao órgão governamental que nas transações bilaterais (P2P) não existem tais comprovantes. A Receita também precisa entender que nem sempre o Bitcoin e outros ativos digitais possuem valor de aquisição. Ou alguém discorda que é possível ganhar gratuitamente esse tipo de ativo via airdrops, forks etc?

Mas o ponto principal desta discussão diz respeito à segurança dos dados informados à Receita. Vamos supor que “Joaquim” declare à Receita a posse de 10 mil Bitcoins, que atualmente valem algo em torno de R$150 milhões. Então, pergunto:

  • Quantas pessoas dentro da Receita Federal terão acesso à essa informação?
  • Qual a garantia de que esta informação não será vazada e que Joaquim passará a correr risco de vida?

Ou alguém aqui tem dúvida de que é muito diferente ter R$150 milhões no banco e ter quantia semelhante em um pedaço de papel escrito à mão escondido debaixo do próprio colchão?

Declarar a posse de Bitcoin não é a mesma coisa que declarar a posse de moeda estatal. O risco de segurança envolvido para quem faz a própria custódia de ativos digitais é infinitamente maior que deixar seu dinheiro no banco.

Por isso, a Receita Federal não deveria esperar que pessoas que possuam grandes quantidades de ativos digitais se prontifiquem a informar o quanto elas possuem.

O pagamento do imposto devido

Como disse no começo do texto, uma coisa é declarar a posse dos ativos e outra coisa é precisar pagar algum imposto referente a eles.

Ou seja, você pode ter declarado à Receita a posse de 50 mil Bitcoins, mas se você não obteve ganho de capital em operações mensais que totalizam mais de R$35 mil, você não deve nada ao fisco.

A questão que fica é: como a Receita pode fiscalizar se fulano ou beltrano teve ou não ganho de capital? A verdade é que ela depende muito da boa vontade do contribuinte em informar o ocorrido. Por isso, a Receita precisa pensar em outro modelo de tributação.

Escolhendo os alvos certos

O objetivo da Receita é o de maximizar a arrecadação de impostos. Mas no caso do mercado de ativos digitais, se ela tentar abocanhar todo o valor possível, ela ficará correndo atrás do próprio rabo.

A minha primeira sugestão é que ela esqueça o que acontece no mercado bilateral. Ela pode até criar uma regra voluntária de recolhimento de imposto para esse tipo de operação. Mas fiscalizar esse mercado será um trabalho em vão.

A forma mais inteligente e factível da Receita conseguir arrecadar impostos das operações de compra e venda de ativos digitais é taxar o contribuinte que opera nas corretoras. Seja na entrada ou saída de dinheiro, seja por operação ou somente no lucro obtido, seja lá como for, a única forma da Receita conseguir ter algum tipo de controle sobre as operações é trabalhando junto às exchanges e criando regras de padronização da coleta e processamento dos dados para que a fiscalização dos montantes devidos seja feita de maneira factível.

Conclusão

A postura da Receita Federal em relação ao mercado de Bitcoin no Brasil precisa evoluir. Enquanto o órgão não entender exatamente o funcionamento desse ecossistema, ele não conseguirá agir de maneira eficaz e os casos provavelmente irão se arrastar durante anos na esfera judicial.

O mercado brasileiro carece de regulação para as empresas e regras fiscais claras para os contribuintes. Enquanto não tivermos isso, continuaremos a discutir toda e qualquer nuance relativa a esta tecnologia inovadora, que não é compatível com as regras existentes.

Leia também: Receita Federal divulga regras para declaração do Imposto de Renda; Saiba como declarar criptoativos em 2019

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Allex Ferreira

Fotógrafo que conheceu a tecnologia do Bitcoin em 2011. Desde então, atua na compra e venda de bitcoins no mercado peer-to-peer (P2P) de larga escala. Ele também trabalha com mineração de Bitcoins e possui uma fazenda própria de mineração na China.

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