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Apple card, Bitcoin e os desafios da privacidade online

Estamos no ano de 1984…

 

George Orwell, após a segunda guerra mundial, escreveu um romance inspirado nos regimes totalitários das décadas de 30 e 40, cuja história é sobre um homem vivendo num Estado ditatorial que usando vigilância constante, aterroriza cidadãos escutando todos e monitorando todas as interações.

Nesse mundo Orwelliano: “claro, que não havia como saber se você estava sendo observado num momento específico. Tentar adivinhar o Sistema utilizado pela Polícia das Ideias para conectar-se a cada aparelho individual ou a frequência com que o fazia não passava de especulação. Era possível inclusive que ela controlasse todo mundo o tempo todo. Fosse como fosse, uma coisa era certa: tinha meios de conectar-se a seu aparelho sempre que quisesse. Você era obrigado a viver… acreditando que todo som que fizesse seria ouvido e, se a escuridão não fosse complete, todo movimento examinado meticulosamente.” – George Orwell, no livro 1984.

Mas se estamos sempre sendo vigiados na internet? Por quem?

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O poder de revelar-se seletivamente para o mundo

 

Diante desta preocupação, na década de 80 surgiu um grupo informal de pessoas interessadas em discutir as políticas de privacidade e segurança na internet; grupo conhecido como “cypherpunks”– palavra que remete à “criptografia” e à cyberpunk, escultura underground aliada às tecnologias da informação, cibernética e à ideia de resistência ao establishment.

Em 1993, Eric Hughes publicou o “Manifesto Cypherpunk” cujas primeiras linhas citam:

“A privacidade é necessária para termos uma sociedade aberta na era eletrônica. Privacidade não é o mesmo que segredo. … A privacidade é o poder de revelar-se seletivamente para o mundo.”

A preocupação com a privacidade não é a toa

 

Ora, quando Edward Snowden tornou público em 2013 os detalhes da extensão da vigilância global e espionagem pelos Estados Unidos, feitas através da NSA, já começamos a sentir o gosto amargo do que o Estado Orwelliano pode significar. Tais revelações mostraram o governo pagando corporações privadas para acesso a registros de e-mails, registro de transações e outras informações privadas sobre cidadãos comuns, chefes de governo e Países do mundo inteiro, o que demonstrou um estado de vigilância feroze justificou o movimento cypherpunk.

A preocupação com privacidade não é a toa.

O Estado Orwelliano já é realidade

 

A China está transformando a internet. Lá, o aplicativo WeChat desempenha todas as funções dos aplicativos das redes sociais que conhecemos no ocidente. Mas o que para a maioria dos consumidores pode ser o paraíso em termos de facilidade e economia de tempo, na verdade é uma enorme ameaça à privacidade.

Na China, o mundo Orwelliano já é realidade. O WeChat armazena informações dos usuários, e as repassa ao governo. Esse banco de dados chinês monitora, ao vivo, os locais de cerca de 2,5 milhões de residentes de Xinjiang, coletando tudo. Desde detalhes sobre aluguel de bicicletas, idas a restaurantes, igrejas e mesquitas, hospedagem em hotéis, gosto musical e filmes prediletos e gastos no cartão de crédito. O problema disto é que o governo chinês é figura carimbada em violações graves à direitos humanos.

Não só governos, contudo,estão interessados em vigiar nossos passos on line.

A Era do Capitalismo de Vigilância

 

Como bem ensina Shoshana Zuboff, professora de administração de negócio pela Harvard Business School, estamos na Era do Capitalismo de Vigilância, onde nossos dados comportamentais passaram a construir a matéria-prima essencial do capitalismo, compondo a maior parte da receita de faturamento das empresas de tecnologia. Neste “capitalismo de vigilância”, o lucro vêm dos dados comportamentais coletados dos usuários, transacionados por empresas em um “marketplacesde comportamentos futuros”.

O capitalismo de vigilância é um mercado de previsão do comportamento humano, onde empresas usam o que sabem dos dados para influenciar o comportamento de usuários.

Apple card, Bitcoin e os desafios à privacidade on line

 

Neste quadro, nossa privacidade está ameaçado sob três óticas. A primeira diz respeito ao direito de se comunicar de forma privada. E nos anos 80, devido à corrupção, a criptografia foi considerada uma arma de guerra em muitos países, e muitos deles a tentaram proibi-la porque eles não queriam que as pessoas tivessem acesso a Comunicações privadas. O segundo tipo de privacidade refere-se à privacidade nas transações e interações econômicas. E o terceiro tipo relaciona-se à privacidade de movimento – de poder passear e existir em lugares sem ter todo movimento rastreado.

Foi com o intuito de preservar a privacidade financeira, que o bitcoin surgiu em 2009, e o Apple card surgiu em 2019 – um meio de pagamento onde a Apple não sabe o que, onde comprou e nem quanto você pagou por isso. A Goldman Sachs, “promete” que não venderá seus dados para publicidade ou marketing.

Ambos buscam preservar a privacidade financeira, e aparentemente competem entre si. Todavia, representam estágios de evolução diferentes. Apesar da carta manuscrita reinar absoluta até 1971 – quando o primeiro ARPANET emailfoi enviado– , após a superação de várias etapas – máquinas de escrever, computadores de mesa, etc. –, o envio de email via celular tornou-se uma realidade hoje.

Neste contexto, a narrativa de “quem não deve, não teme”, “anonimato é um risco ao Estado” e “privacidade demais é prejudicial à segurança das pessoas” não representa uma verdade absoluta, exigindo que as pessoas enxerguem o outro lado da moeda.

Takeaway

 

No atual estágio da Web, cuja arquitetura é centralizada, aplicativos armazenam nossas informações e dados pessoais de modo ilimitado, muitas vezes sem nosso conhecimento e consentimento, possibilitando que empresas e governos usem tais informações para influenciar nosso comportamento futuro.

E o que soa irrazoável aqui é o fato das pessoas não terem dado seu consentimento para a coleta dessa enorme quantidade de dados, a verdadeira razão para o surgimento de leis de proteção de dados, e de tecnologias como blockchain – cujo DNA possui criptografia, mecanismos de consenso e redes descentralizadas.

As pessoas têm defendido sua própria privacidade durante séculos. Os Monarcas enviavam cartas lacradas com selo real pelos mensageiros da Corte,sem que isso significasse o desejo de cometer ilícitos.

As tecnologias do passado não permitiam uma adequada proteção do direito fundamental à privacidade; mas hoje, isso é possível. A cada dia torna-se mais urgente que as pessoas defendam sua privacidade com criptografia, assinaturas digitais, soluções blockchain e dinheiro eletrônico.

Só a preservação da privacidade on line no presente, evitará um futuro com estado de vigilância total.

Leia também: O que ninguém fala… só blockchains públicos combatem o “Poder de Mercado”

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Tatiana Revoredo

Blockchain Strategist pela University of Oxford, e pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology. Liason do European Law Observatory on New Technologies. Atualmente cursa Cybersecurity em Harvard. Convidada pelo Parlamento Europeu para Conferência Intercontinental sobre aplicações Blockchain e regulação de criptomoedas e ICOs. Participou do 1st Annual Crypto Finance Conference, do Fórum Econômico Mundial e Forum Mundial da Internet. Apaixonada por jazz e harley davidson.

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