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Representante da Paradigma Capital diz que ICOs não devem ser vistas por empresas que buscam financiamento

Com o surgimento das criptomoedas, uma das áreas que mais se beneficiou com essa tecnologia foi a captação de recursos para empresas. Após o surgimento do Ethereum (ETH), no final de 2013, as criptomoedas deixaram de servir apenas como ferramenta de transferência de valores e passaram a ter múltiplas funções.

Uma das mais conhecidas – e que tornou-se bastante utilizada em 2017 – foram as ofertas iniciais de moedas (ICOs, na sigla em inglês). Essa modalidade de investimento permitiu que empresas criassem tokens e vendessem para pessoas do mundo inteiro. Essa forma de captar recursos possui grandes vantagens: a facilidade de emissão de tokens (em comparação com captar investidores-anjo ou ir a fundos de venture capital) e poder atrair investidores do mundo inteiro são as principais delas.

Não foi à toa que as ICOs foram o modelo de captação de investimento mais utilizado por empresas e startups durante 2017. E para falar mais sobre ICOs, captação de recursos e investimentos em startups, convidamos Felipe Sant’Ana para uma entrevista exclusiva ao Criptomoedas Fácil.

Sant’Ana tem background em marketing, passou por empresas do terceiro setor e pelo mercado de publicidade nacional. Foi fundador da Paratii, uma iniciativa de desenvolvimento de tecnologia de streaming de vídeo p2p, que usava, em parte, contratos na rede do Ethereum. A Paratii lançou a série documental Around The Block, que conta a história da indústria de criptoativos. O projeto da Paratii foi finalizado, mas o código aberto ainda é usado por alguns projetos do ecossistema. Em meados de 2017, Sant’Ana juntou-se à Paradigma Capital, empresa com sede em Washington D.C. (EUA), que possui um fundo de investimento em criptoativos.

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Confira a entrevista completa!

Criptomoedas Fácil: Olá. Por favor, apresente a si e a Paradigma aos nossos leitores.

Felipe Sant’Ana: Paradigma é um fundo de investimentos que aloca capital em posições compradas e/ou vendidas em cripto-ativos. Em poucas palavras, minimizamos risco e otimizamos retornos para investidores já familiarizados com o mercado. A exposição primária é em bitcoin, com alocações menores em ativos alternativos. Somos três sócios, com passagens por bancos, fundos multimercado e startups de tecnologia. Acreditamos que a competição monetária é um fenômeno inédito, e que está criando uma classe de ativo com propriedades raras, ainda que emergentes. O risco-retorno nela é extremamente assimétrico, dado o valor conjunto ainda insignificante frente a outros mercados de renda variável.

Eu tenho background formal em marketing. Passei por empresas do terceiro setor e pelo mercado de publicidade nacional. Trabalhando em uma produtora de cinema, fundei uma iniciativa para desenvolver tecnologia de streaming de vídeo p2p, que usava, em parte, contratos na rede da Ethereum. Crescemos até um time de quase dez pessoas em alguns países, escrevemos código aberto que ainda é usado por alguns projetos do ecossistema, e lançamos uma série documental sobre a indústria. Do meio de 2017 em diante, passei a me dedicar à Paradigma – hoje, é o que faço exclusivamente.

Conheci criptomoedas porque fiz um crowdfunding em 2013 para financiar a publicação de um livro. Estudei modelos de captação coletiva e fiquei encantado com a Mastercoin (que fez um “ICO” com um endereço de “êxodo” no próprio bitcoin). A rotina me afastou daquela curiosidade, que só foi ressurgir quando ouvi falar de uma tal de Ethereum.

CF: Muita gente ainda confunde os termos venture capital (VC), erivate Equity (PE) e ofertas iniciais de moedas (ICOs). Você poderia dizer qual a diferença entre cada um deles?

FS: Venture Capital e Private Equity tratam-se de investir em (comprar) participação (ações) em empresas. Os dois diferem no tamanho médio do investimento e na maturidade da empresa em que se investe. Em linhas gerais, Private Equity compra empresas mais maduras, e uma parte maior delas. Venture Capital acontece mais cedo, e é considerado mais arriscado. Dado óbvio: há poucos investidores individuais, nas duas categorias. No Brasil, deve dar pra contar nos dedos das mãos o número de VCs ativos por conta própria, excluindo-se os fundos.

ICOs são algo completamente diferente. Primeiro: pela ausência de regulamentação, pode haver investidores individuais de qualquer canto do mundo, e não só grandes fundos, jogando o jogo. Segundo: você não está comprando participação em um negócio, mas sim um ativo comoditizado, monetário. Dinheiro. Alguém imprimiu dinheiro e está te vendendo.

O governo hoje tem o monopólio formal sobre essa prática, então, conforme vai ficando claro o que ela significa, ele vai tentando coibir ela. Tais transações funcionam na prática porque, em tese, não há nada de errado em comprar o dinheiro de outrem. À parte às questões éticas envolvidas, trata-se de uma questão de confiança. Você confia no dinheiro do Banco Central, e usa ele. Se você confia no dinheiro da SpankChain, quer usá-lo para armazenar ou transferir valor, e tem alguém na outra ponta disposto a fazer a transação contigo – por que não? É desse questionamento que nasce o fenômeno dos tokens.

Agora, há duzentas implicações legais envolvidas, pouca clareza regulatória, nuances técnicas ainda muito pouco compreendidas, e incontáveis outras armadilhas, do ponto de vista do investidor. Em suma, VC/PE e ICOs são “esportes completamente diferentes”.

CF: O mercado caiu mais de 90% no ano. O Bitcoin encara uma retração equiparável às suas maiores quedas históricas. Como o investidor acostumado com bolsa, ou moedas, deve enxergar as criptomoedas? Onde a classe de ativo se encaixa, pra quem é de fora do mercado?

FS: Trata-se de uma classe com o melhor retorno entre ativos de renda variável nos últimos 5 anos, em torno da qual há muita desinformação.

Uma alocação moderada, como parte de um portfólio equilibrado, historicamente aumentou retornos e ainda reduziu riscos, dada a não-correlação com moedas, títulos, commodities e equities. Gente que entra de maneira afobada, com largas porções de capital de uma vez só, tende a passar por estresses desnecessários, e ser forçada a agir em momentos delicados. Do outro lado, gente que desdenha e prefere ficar de fora, perde a chance de acumular patrimônio num mercado cujos fundamentos só se fortalecem.

O fato é que ações (globalmente) não vão render nos próximos anos como renderam na última década. A conjuntura macroeconômica mudou. O investidor arrojado está atrás de alternativas, e, no Bitcoin, enxerga uma perspectiva de longo prazo que é incomparável com a de instrumentos tradicionais. Principalmente no patamar de preço atual. O upside é muito, ainda mais pra quem sabe dosar o apetite por risco e ser paciente.

CF: A Paradigma atua nos Estados Unidos. Quais as principais diferenças que você enxerga entre o mercado brasileiro e o norte-americano quanto a investimento em startups?

FS: Estou longe de ser qualquer especialista no investimento em startups. Quem vai te responder isso direito são os times da RedPoint, da Canary, da Kaszek – o pessoal que viu a internet chegar ao país e cresceu junto com ela. O momento do qual eu sou nativo é o dos cripto-ativos e das firmas distribuídas. É nesse mercado que tento fazer alguma diferença. Nele, fronteiras são um pouco menos relevantes.

O que sei é que o ecossistema nacional de startups é muito mais vibrante do que há uma década atrás. E que segue funcionando como funciona nossa indústria do futebol: modelo exportação, em se tratando dos melhores recursos. Vide os casos recentes da Brex, fundada por dois brasileiros; e da AirFox, esta com um token próprio, bastante controverso, também fundada por brasileiro na costa oeste americana.

CF: As ICOs mudaram o mercado de captação, abrindo para investidores comuns algo que antes era restrito apenas a grandes fundos. Como você avalia o crescimento dessa modalidade em 2018?

FS: Para ser preciso, a modalidade não cresceu, mas decaiu, em 2018. ICOs levantaram cerca de 73% menos capital no terceiro trimestre do ano, em relação ao primeiro. Há menos ofertas atingindo suas metas. Projetos alimentados por ICOs que acreditava-se terem fôlego financeiro para prosperar por décadas agora enfrentam as consequências do amadorismo na gestão de seus tesouros. A modalidade não vai morrer, mas vai se limitar a ocasiões em que realmente faz sentido, além do mero propósito de gerar mark up a firmas privadas de investimento em cima do varejo no mercado secundário.

A questão é: o que vêm em seguida? Tem muita gente empolgada com a tokenização de securities / securitização de tokens – meu interesse está mais para modelos alternativos de distribuição, que se mostrem mais eficientes no equilíbrio entre abrangência/alcance, nível de participação na rede e descentralização de controle. Um exemplo recente interessante é o MerkeMine, feito pela Livepeer, que fica entre um airdrop e um “fair mine”.

CF: Em termos de regulamentação, o que você acredita que políticos e órgãos devem levar em conta para criar uma legislação amigável para as startups de blockchain?

FS: Não sei se idealizar o perfil de “uma startup de blockchain” é o ponto de partida certo para discutir regulamentação. “Startups” de qualquer setor no Brasil já tem problemas suficientes para se resolver. Qualquer movimento regulatório positivo para essa galera também é positivo para empresas que lidam com criptomoedas ou blockchain. Agora, o que pode prejudicá-las, em especial, é o tratamento que a lei dá a que para quem tem ou usa cripto. O resto é periférico.

A lei pode tratar de três maneiras aqueles que detêm criptomoedas: ignorá-los, criminalizá-los, ou tentar dar ferramenta para que se tome as melhores decisões (“protegê-los”). Acontece que as duas primeiras opções não estão mais na mesa. Já tem mais gente investindo em cripto do que em ações na bolsa, no Brasil. O perfil não é mais o cara de gravata na Faria Lima; é o jovem que vendeu itens de jogos online, a senhora ao lado no ponto de ônibus.

Ou você exalta os exemplos positivos e pune exemplarmente os esquemas ilegais (o que já vem acontecendo, nos EUA e aqui), dando força para que o mercado se autorregule… ou vai ficar correndo atrás do rabo indefinidamente, incapaz de mudar o fato de que qualquer já pode criar uma exchange, emitir uma moeda ou abrir uma DAO com meia dúzia de cliques…

CF: Você fez um ótimo levantamento do ecossistema brasileiro de startups de blockchain em abril. Sete meses depois, como você avalia a maturidade das startups dessa lista? E quais empresas que não estavam lá você incluiria em uma nova versão?

FS: O levantamento lista “iniciativas que envolvem blockchain”. Tem projeto de P&D, parceria público-privada, empresas com modelo de negócio conhecido que dão lucro. É escorregadio colocar tudo no mesmo balde.

Em linhas gerais, tokens, exchanges e iniciativas de educação perderam fôlego com o desinteresse trazido pelo bear market. A própria XDEX, que tem como investidores os sócios da XP Investimentos, ainda não foi lançada publicamente com o calibre de que a instituição dispõe.

Vejo certo movimento no setor que chamei de “Financial Services”. A CoinWise, uma das poucas empresas locais competentes tanto em software quanto em hardware, lançou uma hard wallet brasileira. Há novas empresas no ramo dos seguros, e processadoras de pagamento experimentando serviços que tangenciam blockchains. Talvez esse seja o setor mais promissor, no mapa. De iniciativas novas, eu incluiria a EOS Rio, que não conhecia, e fez uma carteira muito boa para EOS; a PUC-Rio como hub; a 88 Insurance, de seguros; e a XDEX.

CF: Muita gente discorda do termo ICO e prefere usar o termo ITO (Initial Token Offering). Você vê algum sentido nisso ou é apenas questão de semântica?

FS: Mera questão de semântica. Regra de bolso: se a emissão não é feita por um ser anônimo, existe uma relação entre dois ou mais indivíduos. E se existe essa relação, vai ter legislação que se aplique, não importa o nome que se dê.

CF: Quais são as principais vantagens e riscos das ICOs em relação a venture capital e private equity para empresas e investidores?

FS: Penso que ICO não deve ser visto como alternativa a empresas que estão se financiando. Para isso, já existe o crowd-equity, e funciona. Se vai ser feito através de uma plataforma madura ou de uma blockchain, é uma tecnicidade, e não o xis da questão.

O principal risco num ICO é o de você acabar criando um elemento auxiliar ao negócio, que só vai desviar foco do que realmente importa – criar e capturar valor. Há um número extremamente restrito de casos nos quais a emissão de um token (que não é puro equity) faz sentido. Não é só porque agora temos ferramentas para questionar a natureza do dinheiro que meio mundo deve sair às ruas vendendo a sua própria versão.

Mas, como disse John Maynard Keynes: “o mercado consegue se manter irracional por mais tempo do que você consegue se manter solvente.”

CF: Hoje, como você avalia o mercado de investimento em startups para o pequeno e médio investidor em termos de facilidade de acesso?

FS: Acho que já há um leque decente de opções para se investir como pessoa física. A Kria é um bom exemplo nacional. Lá fora, temos uma porção de sindicatos no AngelList; oportunidades no StartUpEngine; e outras plataformas.

Ainda não há tanta permissividade no acesso, e aí reconheço o apelo das criptomoedas. Através delas, em conjunto com  tecnologias que preservam privacidade, dá pra ter acesso a coisas que você nem imagina.

CF: Quais dicas você deixaria para quem deseja incluir o investimento em startups em seu portfólio?

FS: DYOR (em inglês, Do Your Own Research/faça sua própria pesquisa). O conselho universal.

CF: Quais desafios você enxerga como os mais difíceis que podem ser enfrentados pelas startups de blockchain no Brasil?

FS: As que sobreviverem vão desfrutar de demanda e first-mover advantage num mercado de 200 milhões de pessoas altamente desbancarizado, que rejuvenesce rápido e desconfia de governo/instituições como poucas outras populações no mundo. Somos um jardim fértil para a emergência de uma economia mais descentralizada. O desafio é justamente sobreviver à pressão regulatória, ao baixo nível de educação do mercado, à falta de competitividade na atração de recursos, à escassez de mão de obra qualificada, à ausência de fontes de financiamento…

As razões pelas quais não despontamos ainda como potência no cenário internacional não são exclusivas ao universo de cripto. São as mesmas que afligem qualquer empreendedor, acentuadas pela incerteza jurídica…

CF: A grande maioria das ICOs são realizadas na blockchain do Ethereum. Quais outras blockchains você enxerga como potenciais motores de novas ofertas de tokens?

FS: A Ethereum virou a rainha da emissão de ativos porque gerou um padrão que facilitou drasticamente a vida de desenvolvedores, mas também permitiu a bolsas e aplicativos oferecerem suporte a qualquer token dentro do padrão com custo marginal negligenciável. Eu rodo um nó da Ethereum, e agora posso oferecer 20 novos tokens na minha exchange, sabendo que todos eles herdam o mesmo cerne do código-fonte, já foram alvo de auditorias, se beneficiam das mesmas ferramentas.

Penso que se alguma “plataforma para emissão de securities” conseguir feito parecido, pode despontar, conforme cada vez mais equities passam a ser tradados na forma de cripto-ativos, mundo afora. Fora isso, imagino que a plataforma mais propensa a ganhar esse papel de “motor” deve provavelmente ser o Bitcoin, com o amadurecimento de features para se emitir e movimentar tokens em segunda camada.

CF: Obrigado. O espaço é livre para seus comentários finais.

FS: Nos anos 90, a criptografia de chaves assimétricas tirou do Estado o monopólio sobre a aplicação da propriedade privada. Você pode ser dono de um bem sem que intermediário algum garanta.
Nos anos 2000, a internet desmoronou os monopólios da informação. Qualquer um pode ter o seu próprio canal.

Nos anos 2010, a emissão de dinheiro deixou de ser exclusiva aos bancos centrais. Talvez, historicamente, olhemos para esse período como o começo da derrocada das nações-estado. Se não, no mínimo como um ponto de inflexão na história das liberdades individuais.

Em ocasiões passadas, o tempo foi impiedoso com quem tentou frear o trem de evolução, e generoso com quem se lançou aos novos paradigmas. Se fosse pra apostar, eu apostaria que o padrão vai se repetir. Na verdade, acho que já estou apostando.

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Luciano Rocha

Luciano Rocha é redator, escritor e editor-chefe de newsletter com 7 anos de experiência no setor de criptomoedas. Tem formação em produção de conteúdo pela Rock Content. Desde 2017, Luciano já escreveu mais de 5.000 artigos, tutoriais e newsletter publicações como o CriptoFácil e o Money Crunch.

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