O caçador de Bitcoins

Era uma manhã de calor insuportável e ar seco e poluído em Xangai. Na sala do descolado IC Café, onde engenheiros e entusiastas de tecnologia costumam se encontrar, algumas dezenas de pessoas aguardavam a palestra de um dos mais importantes nomes do mundo do bitcoin.

A maioria dos presentes era jovem de olhos puxados, mas no meio daqueles rostos amarelos, um homem paulistano se sobressaia pelo seu porte corpulento. Allex Ferreira, mais conhecido no Brasil como o “Barão do bitcoin”, aguardava ansiosamente pelo início do discurso de Bobby Lee, o pioneiro e fundador da primeira casa de câmbio de bitcoins da China, a BTCC (antiga BTCChina).

Lee subiu ao palco, começou a falar e Allex riu de si devido a sua ingenuidade em achar que a palestra seria em inglês. Durante a próxima hora, ele ficaria ali sentado escutando o chinês, obviamente, descarregar ideias em mandarim. A única palavra que Allex conseguiria distinguir era: bitcoin. De resto, não entenderia absolutamente nada.

Evento em Xangai sobre Bitcoin

Quando Allex tomou a decisão de passar uma temporada na China, em meados de 2016, ele já sabia onde estaria pisando. Alguns anos antes, durante uma de suas viagens pelo mundo, ele havia passado seis meses viajando pela China. Desta vez, a proposta da viagem não era imergir na cultura do país. O que ele queria, na verdade, era conhecer as pessoas por detrás do maior mercado do mundo de bitcoin.

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“Eu queria aumentar meu networking, entender como funcionava o mercado peer-to-peer [P2P: pessoa para pessoa] chinês, como as exchanges trabalhavam, o mercado de mineração e fabricação de máquinas para mineração. E, claro, eu também queria começar a ter acesso aos maiores fornecedores de bitcoins do mundo”, disse Allex Ferreira, durante uma entrevista por Skype, realizada no dia 22 de agosto, da sua casa na ilha de Bali, na Indonésia, onde vive atualmente.

Naquela época em que Allex chegava à China, segundo o jornal The New York Times, o país era responsável por 42% do volume mundial de negociações e por 70% de todos os bitcoins minerados. O protagonismo chinês sempre foi bastante relevante no ecossistema das moedas digitais. Algumas razões que explicam isso: um país com dimensões continentais e mais de 1,3 bilhão de pessoas, energia elétrica e mão de obra baratas, jovens antenados em tecnologia e um governo que impõe rígidas regras de controle de capitais, especialmente para quem quer tirar dinheiro do país. Atualmente, ao lado de seus vizinhos asiáticos Japão e Coreia do Sul, a China continua sendo, sem dúvida, um player de extrema importância neste bilionário mercado global.

WeChat, onde tudo acontece

Se no Brasil o Whatsapp é o rei da comunicação instantânea, na China quem domina é o WeChat. E foi justamente quando Allex conseguiu ser incluído em um grupo de discussão de bitcoins neste popular aplicativo que sua experiência na China começou a ganhar contornos mais robustos.

“Eu tenho um grande amigo argentino que possui um profundo conhecimento sobre a tecnologia do bitcoin e que está sempre disposto a tirar as minhas dúvidas, não importa o horário. Ele é presidente da RSK Labs e da Fundação Argentina de Bitcoin. O Diego Gutierrez é um cara fantástico, sem dúvida, um dos que mais entende sobre bitcoin em todo mundo. E foi ele quem me adicionou a este grupo no WeChat, que tem como integrantes todos esses grandes nomes do mundo das cryptocurrencies: o Vitalik Buterin [criador do Ethereum] estava lá, o Bobby Lee, o Peter Todd [desenvolvedor do Bitcoin Core], enfim, todo mundo estava lá. O Diego realmente me ajudou bastante. Daí em diante foi só fazer networking”, relembra Allex.

Mapeando bitcoins e o mercado P2P

No Brasil, Allex ouviu falar sobre bitcoin pela primeira vez em 2011. Desde então, a moeda digital mais popular do planeta mudou sua vida. Fotógrafo profissional, ele passou a dividir seu tempo entre os cliques fotográficos e o estudo da tecnologia do bitcoin e da blockchain. Em pouco tempo percebeu que sua vocação estava justamente em encontrar onde comprar bitcoins e para quem vendê-los. Transformou-se no primeiro negociador brasileiro do ainda inexistente mercado P2P. “O meu trabalho é mapear onde estão os bitcoins e quem são as pessoas que os detêm”, resume Allex.

Hoje em dia, Allex trabalha com a atividade de mineração (leia mais a seguir) e com a compra e venda de bitcoins. Mas ele só negocia a partir de R$50 mil. “Se for menos que R$50 mil, não compensa comprar comigo, é melhor adquirir na exchange. Acima deste valor, com certeza é mais barato comprar no mercado P2P, porque se alguém for comprar na exchange tem taxa de depósito, taxa de saque, taxa de execução, sem falar no slippage [diferença entre o preço esperado de um negócio e o preço executado]. Então, às vezes, você pode gastar quase 10% para comprar R$300 mil em bitcoins na exchange”, explica Allex, que habitualmente aplica uma comissão de 3% sobre o valor do bitcoin, usando como preço de referência a cotação da Foxbit, a corretora brasileira que possui o maior volume de transações.

A primeira diferença entre o mercado P2P brasileiro e chinês que Allex notou é que no país asiático as negociações ocorrem de maneira muito mais rápida e objetiva. Além disso, é um mercado com muitos vendedores e compradores. “Na China, é um mercado mesmo, não é como no Brasil que são apenas três caras que conseguem vender volumes altos. Fora isso, na China tem menos scammers [trapaceadores]. Na Ásia, as pessoas são muito mais honestas. Não existe conversa mole. Na China, existe uma pressa nos negócios. Não tem desconto, não tem conversa de abaixar o preço. Todo mundo sabe o preço que é. No Brasil. os caras ficam pedindo descontos, enrolam, é um processo bem cansativo”, compara Allex.

O mercado P2P de bitcoins é um mercado de confiança. Como não existe nenhum contrato entre as partes, tanto o vendedor quanto o comprador precisam ter muita confiança entre si. E, por isso, segundo Allex, seus clientes são bastante fiéis. “Tenho clientes que compram comigo há cinco anos. Nesse mercado, não tem essa de ficar trocando de fornecedor. É preciso estabelecer uma relação de fidelidade e confiança, porque é muito dinheiro em jogo e todo mundo tem que sair satisfeito”, explica.

Allex acredita que em breve o mercado P2P brasileiro será maior que o das exchanges. Na visão dele, em algum momento, a regulação do governo recairá sobre as corretoras e, então, o mercado de balcão passará a ter uma importância ainda maior, pelo fato de oferecer mais privacidade, comodidade, rapidez e melhores preços a depender do volume negociado. “A alma do bitcoin é rebelde, ela é P2P. Hoje em dia, eu recorro muito pouco às exchanges. Ontem mesmo eu fiz uma venda de R$500 mil reais e não precisei comprar nada na exchange. Às vezes, eu uso a exchange só para completar uma transação”.

No Brasil, segundo ele, existem poucos negociadores no mercado P2P e menos gente ainda que pode oferecer volume diariamente. Ele torce para que esse mercado cresça, afinal, com mais gente vendendo, a liquidez aumenta.

“Não existe competição neste mercado, como muitos acreditam. Todo mundo se comunica, um precisa do outro. E é um trabalho muito interessante. Se alguém vender R$1 milhão por mês em bitcoin no P2P, ele ficará com um lucro de R$30 mil, com base no preço da Foxbit +3%. É claro que ninguém que começar a atuar neste mercado conseguirá fazer esses números do dia para a noite. Mas se ele vender R$250 mil, já são R$7,5 mil de lucro. Espero que esse mercado cresça bastante”.

Montando uma fábrica de dinheiro na China

O processo de mineração de bitcoins é um conceito complexo para os iniciantes na tecnologia. De forma bem simplista, ele pode ser explicado como “uma fábrica de fazer dinheiro”. Toda e qualquer transação de bitcoin precisa ser verificada e validada por computadores superpotentes que analisam os códigos e se comunicam com a rede para dizer se aquela é ou não é uma transação válida que pode ser adicionada à blockchain, ou seja, ao registro histórico de transações.

Allex Ferreira (Barão do Bitcoin)

Quando um minerador é capaz de encontrar um bloco de transações de bitcoin, ele é recompensado com uma quantia de bitcoins, que atualmente é de 12,5 bitcoins por bloco. Para um supercomputador como estes funcionar, você precisa de energia elétrica barata, pois ele consome muita energia no processo. Allex já sabia de tudo isso antes de chegar à China, mas foi lá que ele conheceu mais sobre quem fabrica as máquinas de mineração, quem as vendem, quem as operam, onde as operam, como fazem e várias outras informações.

Não demorou muito tempo para que alguns clientes e parceiros comerciais pedissem a Allex que ele comprasse máquinas para minerar bitcoin e as enviasse ao Brasil. “Foi aí que eu comecei a entrar em contato com os representantes da Bitmain [a maior fabricante de máquinas de mineração do mundo]. Comecei comprando em Hong Kong. Lá, tudo é mais fácil. Hong Kong tem um pé no Ocidente. Em um único dia, eu negociava, comprava e despachava as máquinas para o Brasil. É tudo muito fácil”, relembra Allex.

Quando estava em Hong Kong, Allex ficava em um hotel cujo dono virou seu amigo e chegou a até armazenar algumas máquinas no galpão do hotel. Allex passou a explicar ao seu novo amigo chinês o que exatamente era o bitcoin e como se dava o processo de mineração. Os dois criaram uma relação de confiança e decidiram se unir para, ao invés de apenas vender máquinas para o Brasil, montar uma operação de mineração na China.

Foi assim que Allex começou a operar, desde março deste ano, sua própria mineradora na China. Primeiro, ele e seu sócio encontraram um local perto de uma usina hidrelétrica privada. Lá, fecharam um acordo para compra de energia por dois anos, depois firmaram acordo com a Bitmain para compra das máquinas, montaram toda a infraestrutura necessária, conectaram os computadores e apertaram o play.

“Existem alguns problemas para se fazer mineração hoje em dia. Em primeiro lugar, as plantas precisam estar na China, pois caso alguma máquina apresente problema técnico, em dois ou três dias você consegue substituí-las com a ajuda do fabricante e seu prejuízo não fica tão grande. Se estiver em algum lugar fora da Ásia, o seu prejuízo pode ser grande em caso de falha nas máquinas, pois vai demorar muito tempo para substituí-las. Mas antes de tudo, o mais importante é encontrar um espaço para construir o galpão. Ele precisa estar em certas regiões da China onde a temperatura seja mais amena, o que ajudará a resfriar as máquinas. Depois que se encontra o local, é preciso encontrar um fornecedor de energia elétrica com preços atrativos, que não é nada fácil. Depois disso tudo, aí sim, pode-se comprar as máquinas. É um processo árduo que exige conhecimento, alto investimento e muito networking. Não é qualquer um que pode fazê-lo”, explica.

Allex foi contando aos seus clientes o desenrolar das negociações e vários deles passaram a querer investir. Atualmente, Allex possui mais de 1500 máquinas operando 24 horas, com uma capacidade de 19,5 petahash (PH). “Hoje, estou muito focado na minha atividade de mineração. Em setembro, vou à China vistoriar as fazendas de mineração. Um investimento em uma máquina hoje em dia se paga entre quatro a cinco meses. É uma puta fábrica de fazer dinheiro”, resume Allex, que limitou o investimento mínimo a 100 máquinas, ou US$150 mil, aos potenciais interessados em investir em sua planta de mineração.

Comprar máquinas de mineração da Bitmain é muito difícil. Allex diz que quando a fabricante disponibiliza 10 mil máquinas à venda, elas se esgotam em dois minutos. “Você precisa ter muito networking para conseguir comprar. Se você não compra diretamente da Bitmain, você precisa conhecer quem pode revendê-las. Não é nada simples fazer isso. E a parte mais difícil mesmo é negociar diretamente com os chineses, sem um parceiro local fica quase impossível”, resume.

O futuro do bitcoin e da comunidade no Brasil

Allex não é diferente da maioria dos aficionados por bitcoin. Quando acorda, a primeira coisa que faz é olhar a cotação do bitcoin. Ao longo do dia, ele irá checá-la novamente incontáveis vezes. Pelo seu grupo privado no WeChat, pelo Twitter, e pelos sites 8btc.com e Bitcoin Magazine, ele fica a par das notícias e desdobramentos do mercado. Mas uma coisa o preocupa profundamente, principalmente no Brasil: a disseminação de informação de baixa qualidade, sem qualquer tipo de checagem e sem precisão.

“Boa informação é como um bom vinho. Você sente descer gostoso e sabe que não vai dar azia ou dor de cabeça. O problema é que na Internet tem muita informação que é como o McDonald’s, principalmente quando o tema é o bitcoin. A gente precisa educar os novos entrantes nesse mercado. Se ele sofrer um prejuízo ou perder seus bitcoins porque não os armazenou corretamente, ele nunca mais vai voltar para esse mercado. Já era, perdemos esse cara”, reflete.

Por isso, ele acredita que seja essencial melhorar o nível de qualidade da disseminação da informação, principalmente entre os novatos. “Nós precisamos de mais e mais pessoas entrando no bitcoin, usando bitcoin, precisamos criar uma cadeia fechada, onde o plantador de batatas recebe em bitcoin, o vendedor da quitanda vende em bitcoins e o comprador deste produto pague em bitcoins. Aí, então, teremos um verdadeiro e real caso de uso para esta moeda digital. Somente a entrada de capital, via investidores, não é o bastante para fazer a tecnologia crescer, como a maioria das pessoas acredita”, conclui.

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Milton Leal

Jornalista econômico com mais de 10 anos de experiência, documentarista e viajante do mundo. Conheceu a Blockchain no final de 2014. Desde então, acredita na descentralização como meio para a revolução.

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