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Entrevista exclusiva com fundador da Paratii

O recente caso envolvendo a Cambridge Analytica tem gerado uma dúvida entre os participantes do universo das criptomoedas: existe privacidade de fato? Dados que disponibilizamos (conscientemente ou não) via redes sociais, mecanismos de buscas e aplicativos de mensagens são comercializados para diversos fins. No entanto, a principal característica que nos fez adotar ferramentas como Google, Facebook e outros foi o tal do algoritmo que reconhece nossas as interações (dados) e nos sugere aquilo que nos agrada.

Esse paradoxo pode sofrer uma grande mudança com a blockchain e os Dapps e é exatamente neste campo que uma startup brasileira pretende atuar globalmente, eliminando a centralização e devolvendo aos usuários o poder sobre a produção e consumo de conteúdo. A Paratii, projeto em questão, foi desenvolvido por Felipe Santana, Paulo Perez e outros parceiros.

A Paratii pretende ser a espinha dorsal de uma nova fase na economia digital e IoT, em que os usuários não serão apenas “fornecedores” de dados, mas serão remunerados por essa interação. Além de quebrar a barreira entre criador e usuário, na produção de conteúdo audiovisual por meio da blockchain, assim, os vídeos não estarão em um servidor único, mas distribuídos em uma rede P2P, na qual cada pessoa que assiste também ajuda na disseminação do conteúdo e como recompensa pode resgatar unidades de uma moeda virtual criada pela própria startup, a paratii (PTI), desenvolvida na blockchain do Ethereum.

Para falar sobre o projeto e outros assuntos, Felipe Santana conversou com exclusividade com o Criptomoedas Fácil. Confira!

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Criptomoedas Fácil: A proposta da Paratii é de ter um player descentralizado que possa ser implementado em qualquer website ou app, eliminando intermediários, fornecendo ao produtor de conteúdo e ao usuário mais autonomia e rentabilidade. Por que esta iniciativa precisa estar em uma blockchain e não em uma nuvem ou data center convencional?

Felipe Santana: Francamente, acho que nada, a não ser o Bitcoin, “precisa” estar em uma blockchain. Acontece que muitos serviços digitais poderiam ser mais eficientes para seus usuários se circulassem valor sem passar por tantos intermediários. O Youtube é fantástico para quem busca hospedagem gratuita e compartilhamento fácil de vídeos, mas não é o melhor lugar para criadores pequenos e médios que não conseguem viver daquilo que produzem. Também não funciona para produtores de conteúdo que buscam uma relação customizável com seus fãs. A Paratii usa uma blockchain pela flexibilidade que pode oferecer permitindo que receitas fluam sem serem taxadas por terceiros. Resumindo, a Paratii elimina os grandes “silos” que armazenam o valor somente para si e devolve esse valor aos criadores e suas audiências.

CF: Você acredita que a internet vai migrar para uma nova “fase” econômica através de soluções como a da Paratii e tantas outras, na qual pela eliminação do intermediário, produtores e usuários serão rentabilizados mais justamente por suas ações?

FS: Essa fase já começou com a migração de diversos criadores para plataformas como o Patreon e o Apoia.se. Novos modelos de negócio para conteúdo digital estão sendo descobertos e experimentados todos os dias. As condições dominantes atuais, nas quais é preciso milhares de horas de audiência para se rentabilizar o primeiro centavo, não são sustentáveis para certos tipos de criadores. Hoje, os que se deram conta ainda estão na “periferia” do mainstream. Conforme as vantagens forem ficando mais tangíveis, podemos esperar que o “êxodo” seja intensificado. Foi assim na migração da TV para a internet, na emergência dos portais de self-publishing, e será agora com plataformas descentralizadas. Já vejo muitas strippers e camgirls, por exemplo, adotando tecnologias de streaming e micropagamentos p2p para fugirem das taxas exorbitantes de campsites e impérios da indústria pornô. Espere só até que criadores de outros ramos comecem a perceber o quanto mais elas estão faturando e o quanto a qualidade de vida e modo de trabalho delas evoluíram.

CF: Como uma solução como a da Paratii pode resolver a questão da privacidade dos dados, sem matar os feeds personalizados?

FS: Existe um tradeoff clássico entre descentralização, segurança e escalabilidade. O Facebook é bastante escalável e oferece tudo “de graça”, em troca é centralizado, suscetível a ataques e baseia seu império sobre o monopólio que tem dos dados de usuários. Plataformas nas quais o usuário controla os seus dados tendem a serem mais seguras, mas isso incorre fricção e certa dificuldade para escalar. Acredito num futuro breve no qual teremos exchanges de anúncios não-custodiais (modelo que já acontece entre tokens ERC20): compradores de mídia farão ofertas para aparecer diante de conjuntos de espectadores que, a criptografia garante, estão dentro de seus requerimentos e atributos, mesmo que não tenham acesso a informações individuais dentro desse grupo. Sem entrar muito nos detalhes técnicos, é nessa direção que estamos trabalhando.

A situação atual de vulnerabilidade dos nossos dados é inaceitável, mas a blockchain não é panaceia alguma. As pessoas se esquecem de que nela tudo é público por natureza quando se toca na questão da privacidade. As soluções são mais complexas do que parece. Mas o princípio está na crença de que você é proprietário do rastro digital que produz e o único dono do direito de vender, ou não, porções desses dados.

CF: Como a solução da Paratii é diferente de outras plataformas de vídeo que também pretendem eliminar intermediários e dar poder ao produtor/usuário?

FS: Já escrevemos sobre outras iniciativas de vídeo descentralizado em The State of Decentralised Video Q4 2017. O potencial do mercado é gigante e é natural que diversos approaches sejam experimentados ao redor do mundo. Muitos falharão, outros perdurarão, alguns se complementarão. Ainda é cedo para ser assertivo em qualquer projeção. De especial, na Paratii, tem-se:

  • Liberdade para escolher modelo de negócio e 0% de revenue share sobre faturamento. Não somos contra anúncios, como algumas plataformas, nem contra doações, nem contra pay-walls – só nos opomos a taxas sobre receitas e à imposição de um único modelo em vez de se deixar que o criador de cada conteúdo escolha o que prefere;
  • Um ecossistema que funciona embedado em qualquer página web ou aplicativo, em que cada player serve como um nó efêmero na rede peer-to-peer subjacente;
  • Isso significa que todo mundo que assiste um vídeo pelo player participa da economia, e pode ganhar tokens, independentemente de onde estiver, através de uma carteira que o player carrega;
  • Menos concentração de capital na rede. Estamos entre as duas únicas iniciativas (das quais conheço) de vídeo descentralizado que não fizeram um ICO especulativo tradicional (nota: trabalhamos frequentemente em integrações técnicas com o time da outra). Vamos priorizar a distribuição de token pelos mecanismos intrínsecos da rede, sem impôr dinâmicas externas a ela. O lançamento orgânico deve diminuir a chance de whales se proliferarem;
  • Código 100% open source;
  • Um framework de curadoria específico, derivado dos TCRs;
  • Primeiro e único projeto do tipo no Brasil (mercado de mais de 200 milhões de pessoas, o segundo no mundo para o YouTube, atrás dos EUA).

CF: Vocês acreditam que o futuro será mais descentralizado e que diferentes plataformas dialogarão entre si, como o caso do player da Paratii?

FS: Ainda é cedo para delinear este futuro com precisão. Acreditamos sim que várias das tecnologias que estão sendo desenvolvidas se complementarão e que não vai haver uma ou duas grandes plataformas, mas uma miríade de serviços fáceis de se interconectar, de modo que o usuário preserve sempre fundos e dados privados sob seu controle. Um exemplo prático é o da Livepeer com a Paratii. Eles desenvolveram um protocolo para fomentar uma rede de transcoding descentralizada. Transcoding é uma das etapas mais custosas do processo pelo qual um vídeo passa antes de chegar ao seu destino. Em vez de construir uma solução própria, pretendemos simplesmente plugar nosso pipeline de streaming à rede do Livepeer nesta etapa, inclusive tendo flexibilidade para se apropriar de outros serviços com características diferentes (mais rápidos, mais baratos, etc) quando for conveniente. Essa modularidade vai requerer coordenação dentro do ecossistema, mas acontece de maneira mais orgânica que muita gente pensa. Falamos um pouco dessa visão no texto que anuncia o Developer Preview da Paratii.JS, uma biblioteca de código aberto que fizemos para quem quer construir algo em torno de vídeo descentralizado.

CF: Para viabilizar e implementar a solução, vocês pretendem realizar um TGE/ICO? Quais são os planos e datas específicas?

FS: Não queremos fazer um ICO como se têm feito. Queremos ter nosso player embedável e bibliotecas para desenvolvedores em estado estável, lançar um portal para criadores de conteúdo, para então lançar o token PTI dentro dele. O PTI alimenta um mecanismo de curadoria descentralizada. É importante distribuí-lo para criadores e bons curadores, mais do que para especuladores. Nosso “token generation event” vai ser orgânico, e remunerar aqueles – criadores e curadores – que usarem a plataforma em seu estágio inicial (1-4 semanas) em condições “turbo”, para que então o sistema se “normalize”. A ideia é não introduzir mecanismos externos de distribuição de riqueza, distorcendo o propósito de uma plataforma que preza pela justiça na remuneração, mas também não deixar de incentivar early adoptersAtualmente, miramos para fazer este lançamento em junho-julho. Até lá, temos muito a evoluir do lado do produto, assim como muito a crescer a nossa comunidade. Você já participa do nosso Telegram? 🙂

CF: As exchanges no Brasil não têm muita tradição de trabalhar com tokens. No entanto, há rumores de que a Paratii tem conversas avançadas para permitir que seu token circule no mercado nacional. Pode comentar um pouco sobre isso e também se há exchanges mundiais na mira da Fundação Paratii?

FS: Nossos advogados gostam de lembrar que não podemos citar nomes, mas é claro que temos diálogo com o mercado. A ideia é que o token seja inicialmente trocado de mãos por sua utilidade, para então adentrar mercados secundários. Daí a importância de ser lançado junto a uma plataforma funcional. O caminho natural passa por exchanges descentralizadas, corretoras locais (em cenário de paz regulatória) e, então, o mercado lá fora. Acho que veremos mais exchanges incorporando tokens ERC20 esse ano, com o lobby institucional que está sendo feito junto à SEC nos EUA e os novos produtos que têm surgido para facilitar esse tipo de integração, do ponto de vista técnico. Sem falar nas associações e entidades que vem se formando para dar mais respaldo legal e suporte à inovação no setor.

CF: A Paratii usa smart contracts na Ethereum, que vem enfrentando diversos problemas quanto à sua escalabilidade. Para resolver um destes problemas, Vitalik Buterin pretende impor taxas para a utilização da blockchain. Como estes problemas podem atrapalhar uma solução como a de vocês?

FS: Desconheço essa proposta específica do Vitalik. No entanto, é fato que nossa plataforma, hoje, é inoperável na mainnet da Ethereum. Há evoluções a serem feitas do nosso lado, para permitir uma implementação híbrida que funcione para criadores de conteúdo já no curto-prazo; e evoluções a serem feitas no próprio protocolo, que vão facilitar esses tipos de implementações flexíveis – vide Plasma Cash.  Há outras plataformas (EOS, NEO, Cardano, etc) que assumem uma posição diferente no tradeoff escalabilidade X segurança X descentralização, e anunciam benefícios peculiares. Acho que cada uma vai encontrar o seu nicho. Mas a Ethereum segue tendo a comunidade mais vibrante, a maior quantidade de ferramentas abertas, o melhor financiamento e o maior mais respaldo institucional. Penso que, com o tempo, implementações de sistemas específicos (como a Paratii) deverão se tornar mais independentes do protocolo de base (a Ethereum). Talvez vejamos até mesmo aplicações capazes de operar contratos em múltiplas blockchains, para propósitos específicos (mais ou menos como tentei ilustrar no caso do transcoding e da Livepeer).

CF: As “filter bubbles” suscitam questões sobre o impacto social da conectividade humana. Com a IoT, o mercado de dados chegará a absorver nível de informação outrora impensáveis. Vocês acreditam que a Paratii pode ter mecanismos que superem as ditas “filter bubbles”, inclusive ajudando a inserir no mercado aqueles que hoje vivem à margem do sistema econômico? Veremos surgir uma nova classe de “empoderados” pelo P2P?

FS: Essa “classe” já está surgindo, como mostra o exemplo das camgirls que citei lá em cima. Ela vai continuar crescendo. Não tem volta. Mecanismos mais justos de remuneração e recomendação farão emergir tipos de produtores – e potencialmente, modelos de negócio – há muito tempo submersos sob os oligopólios atuais. Estamos no começo da jornada, e ainda haverá muitos solavancos pelo caminho – mas é difícil não ficar empolgado com a direção na qual está nos levando.

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Cassio Gusson

Cássio Gusson é jornalista há mais de 20 anos com mais de 10 anos de experiência no mercado de criptomoedas. É formado em jornalismo pela FACCAMP e com pós-graduação em Globalização e Cultura. Ao longo de sua carreira entrevistou grandes personalidades como Adam Back, Bill Clinton, Henrique Meirelles, entre outros. Além de participar de importantes fóruns multilaterais como G20 e FMI. Cássio migrou do poder público para o setor de blockchain e criptomoedas por acreditar no potencial transformador desta tecnologia para moldar o novo futuro da economia digital.

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