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Entenda as diferenças entre os projetos de lei que tramitam na Câmara para regulação de criptoativos no Brasil

No início do mês, muitas pessoas foram pegas de surpresa com a apresentação do PL 2060/2019, um segundo projeto de lei (PL) que visa regulamentar os criptoativos no Brasil. Um outro projeto de lei também voltado para as criptomoedas foi criado em 2015 (o PL 2303/2015).

Este último, aliás, também passou por uma série de reviravoltas. Após ter sido arquivado em janeiro, o projeto foi desarquivado em março a pedido de seu relator, o deputado Áureo Ribeiro (SD/RJ). Agora, o projeto aguarda a criação de uma comissão temporária.

Portanto, agora existem dois projetos de lei na Câmara Federal para regulamentar criptoativos no Brasil, ambos relatados pelo mesmo parlamentar. Neste textos serão analisados ambos projetos, esclarecendo semelhanças e diferenças entre eles.

Contexto

É importante ressaltar que os projetos foram criados em contextos muito diferentes, embora tenham o mesmo relator. O PL 2303 foi apresentado em julho de 2015, numa época em que o conhecimento sobre criptoativos e blockchain no Brasil era muito mais escasso do que hoje. Já o PL 2060 é muito mais atual, tendo sido apresentado no dia 04 de abril. Portanto, ele traz uma nova visão sobre o mercado de criptoativos e, dessa forma, novos objetivos.

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Abordagem

A abordagem dos projetos mostra sua diferença ainda no título. Enquanto o PL 2303 tem como foco a “inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central”, o PL 2060 busca criar um “regime jurídico de criptoativos” no Brasil.

Aqui, já é possível observar uma importante mudança; no PL atual, o relator reconhece a existência dos criptoativos como uma classe única de ativos. Ao contrário do PL 2303 – que mistura, de forma equivocada, moedas digitais (sic), sistemas de pagamentos e programas de milhagens – o PL 2060 foca exclusivamente nos primeiros, reconhecendo-os como ativos.

Em termos de tamanho, os dois PLs apresentam quantidade semelhante de páginas: 6 (PL 2303) e 5 (PL 2060). A estrutura, porém, é totalmente diferente. O PL 2303 dispunha apenas de quatro artigos, que, como dissemos, misturavam coisas totalmente diferentes entre si. Além disso, cinco das seis páginas do projeto traziam apenas justificativas, em grande parte comentários do Banco Central do Brasil (Bacen) sobre o risco das criptomoedas.

O PL 2060, por sua vez, é mais abrangente. Possui 10 artigos divididos em quatro capítulos. Um dos mais importantes é o artigo 2º, que traz o que será a definição legal de criptoativos. Além disso, o artigo tem o cuidado de dividir os tipos de ativos, definindo-os em unidades de valor, unidades representativas de bens, serviços e/ou direitos, e tokens de utilização de serviços, os tokens de utilidade.

Dessa forma, o PL reconhece que nem todos os criptoativos são “meios de pagamento” e cria categorias claras, facilitando o reconhecimento dos tipos por parte dos investidores, emissores e outros envolvidos no mercado.

Mais liberdade

Embora regulamentação seja vista como algo que possa tolher a inovação em um setor (vide a BitLicence, criada em 2015 no estado norte-americano de Nova York), o PL 2060 traz uma certa liberdade ao mercado.

Um exemplo disso está no inciso 1º do artigo 4º do projeto, que torna livre a emissão de criptoativos para os quais não haja uma regulamentação específica.

“Observado o disposto neste artigo, é livre a emissão de criptoativos de utilidade, bem como de outros tipos de criptoativos que, por sua natureza ou pela natureza dos bens, serviços e/ou direitos subjacentes, não estejam sujeitos à regulação específica.”

Tal liberdade é reiterada pelo artigo 3º do projeto, que afirma:

“É reconhecida a emissão e circulação de Criptoativos, observado o disposto na legislação em vigor.”

Essa clareza e liberdade era algo que não existia no PL 2303, o qual foi escrito com uma visão excessivamente cautelosa sobre os criptoativos, fruto – conforme vimos – de uma falta de informação sobre o mercado na época.

Penas para fraudes e pirâmides

O PL 2060 traz mais um ponto positivo: não foca apenas nos criptoativos. O projeto, aparentemente, abarca os diversos casos de fraudes e esquemas de pirâmides financeiras que utilizaram esses ativos como pano de fundo nos últimos anos, e estabelece as penas para esse tipo de crime.

O artigo 6º do projeto, por exemplo, faz o seguinte acréscimo ao Código Penal:

“Art. 292-A. Organizar, gerir, ofertar carteiras, intermediar operações de compra e venda de Criptoativos com o objetivo de pirâmide financeira, evasão de divisas, sonegação fiscal, realização de operações fraudulentas ou prática de outros crimes contra o Sistema Financeiro, independentemente da obtenção de benefício econômico. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa.”

Já o artigo 7º prevê uma pena mais longa:

“Art. 2o-A. Constitui crime da mesma natureza obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento de uma coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’, ‘pirâmides; e quaisquer outros equivalentes). Pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa.”

Pontos de interrogação

No entanto, o PL 2060 ainda deixa no ar algumas dúvidas quanto a clareza de alguns dos seus artigos. Uma delas está no artigo 4º, que fala sobre a emissão de criptoativos:

“Art. 4o A emissão de Criptoativos, sob o escopo desta Lei, poderá ser realizada por pessoas jurídicas de direito público ou privado, estabelecidas no Brasil, desde que a finalidade à qual serve a emissão dos Criptoativos seja compatível com as suas atividades ou com seus mercados de atuação.”

Aqui, temos a primeira dúvida: apenas pessoas jurídicas poderão emitir tokens ou outros criptoativos? E caso realmente seja assim, como ficará a situação, no Brasil, de tokens que não possuem uma empresa por trás (como o caso do próprio Bitcoin)?

Caso traga essa restrição, esse artigo pode inibir um dos principais benefícios dos criptoativos: a liberdade de qualquer pessoa poder “tokenizar” ativos.

Outro problema reside no parágrafo II do artigo 2º, em particular no seguinte trecho: “… que não seja ou representem moeda de curso legal no Brasil ou em qualquer outro país”. (Grifo nosso).

Esse tópico em específico pode trazer um problema para as stablecoins, criptoativos que são lastreados em uma moeda fiduciária. Como USDT, EURT, TUSD e outras stablecoins serão tratadas na nova lei: por ativos ou moedas estrangeiras?

Esse são alguns dos gargalos que o projeto precisará esclarecer para que, assim, haja uma total clareza jurídica sobre quem poderá emitir o quê e quais serão as classificações – e tratamentos legais – dados às stablecoins.

Conclusão

Sim, existem dois projetos de lei para regulamentar criptoativos na Câmara Federal. No entanto, a tendência é que apenas um deles seja de fato apreciado pelo plenário, posto que dois PLs sobre o mesmo tema não fazem muito sentido.

Dito isso, é provável que o PL 2060 seja o escolhido devido ao fato de ser mais atual e tratar os criptoativos como o que eles de fato são: uma nova classe de ativos.

Apesar do projeto não ser perfeito, é evidente que houveram progressos em relação ao PL 2303. Aparentemente, os deputados começaram a entender o mínimo sobre criptoativos e, dessa vez, se propuseram a criar uma lei mais clara para o mercado, entendendo suas particularidades. Isso pode contribuir para trazer o Brasil rumo a uma nova fase no desenvolvimento de projetos relacionados ao setor.

E, com isso, poderemos evitar a recente fuga de empresas de blockchain que buscaram ambientes com maior clareza regulatória.

Leia também: Deputado Aureo Ribeiro apresenta novo projeto de lei sobre Bitcoin na Câmara

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Luciano Rocha

Luciano Rocha é redator, escritor e editor-chefe de newsletter com 7 anos de experiência no setor de criptomoedas. Tem formação em produção de conteúdo pela Rock Content. Desde 2017, Luciano já escreveu mais de 5.000 artigos, tutoriais e newsletter publicações como o CriptoFácil e o Money Crunch.

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