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Em meio à guerra, escola ensina alunos sobre tecnologia blockchain na Síria

“É a primeira de Rojava e a primeira de todo o Oriente Médio.”

É assim que Mohamed Abdullah, estudante de programação de 22 anos, descreve a Open Academy – uma nova escola no Norte da Síria, região autônoma do país também conhecida como Rojava. A Open Academy busca levar a tecnologia blockchain em meio a um dos maiores obstáculos da região: a falta de educação dos jovens, fruto do resultado da Guerra Civil síria.

O país está em guerra desde 2011. O Norte da Síria alcançou autonomia parcial de Damasco em 2012. Desde então, a região foi pioneira em uma forma de governo conhecida como “confederalismo democrático” e liderou a ofensiva síria contra o autoproclamado Estado Islâmico (conhecido como Daesh ou ISIS), o grupo jihadista militante que, no seu auge, chegou a ocupar grandes porções do território sírio e também do Iraque.

“Eu tive que passar pelas áreas do ISIS para chegar à universidade”, disse-me Abdullah. “Vi muitas coisas terríveis. Eles dizem que a melhor parte da vida é a universidade, mas não a vivemos assim.”

A Open Academy conduz pesquisas sobre como tecnologias como a blockchain podem complementar seu modelo social, que é construído sobre um ethos de descentralização. Muitos dos estudantes da escola estão curiosos sobre Bitcoin e blockchain, acreditando que ambos podem oferecer confiabilidade à região após anos de turbulência – estabilidade que as moedas fiduciárias não conseguiram entregar.

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“Não confio na libra síria (moeda oficial do país), não confio no dólar americano, são apenas papel. Mas o Bitcoin, sim, podemos confiar nele”, disse Abdullah.

Antes da guerra, Damasco proibiu os curdos de aprenderem sua própria língua e suprimia a educação tecnológica. Com isso, as escolas adotaram um estilo altamente autoritário, e o castigo corporal era comum. Agora, os estudantes curdos podem estudar seu idioma, mas o sistema educacional do Norte da Síria tem muito o que fazer na área de tecnologia.

Antes de entregar projetos de blockchain, os alunos precisam dominar o básico da codificação, enquanto lidam com recursos limitados e a constante ameaça de conflito.

“Este é um longo processo. Vai levar anos”, afirmou Redur Daristan, estudante de eletrônica da Afrin.

Política descentralizada

Nos últimos seis meses, o governo do Norte da Síria estabeleceu centros de aprendizado em todo o território habitado por cerca de 20 milhões de pessoas. Cada um dos centros oferece aulas gratuitas de tecnologia e filosofia.

Além de estudar códigos, os alunos elaboram uma lista de leitura sobre história, teoria cultural do mundo e os trabalhos do ideólogo curdo Abdullah Ocalan, líder curdo preso que inspirou a revolução do Norte da Síria.

Segundo as autoridades, esses textos permitem que os alunos analisem a origem das teorias políticas e econômicas predominantes e ajudem a situar a Guerra Civil em uma contexto maior de ideias.

“O principal objetivo de [nossos esforços] é resolver os problemas da sociedade”, disse Azad Maxmud, um dos professores da Open Academy (os problemas do dia a dia incluem guerra, pressão econômica, infraestrutura quebrada e aumento da escassez de água).

“A razão pela qual estudam sociologia, história e filosofia é estar ciente dos problemas e cortá-los da raiz.”

Ocalan, que foi mantido preso na ilha turca de İmralı nos últimos 20 anos, desenvolveu o federalismo democrático a partir de sua cela. O modelo é bastante adequado para uma sociedade apátrida que pode existir sem a supervisão do governo – bastante similar ao Bitcoin.

A teoria ajudou a moldar a estrutura de governança do Norte da Síria, que consiste em comunidades onde as pessoas se reúnem para tomar decisões em nível local. É aqui, diz Maxmud, que a blockchain pode desempenhar um papel único. Segundo ele, utilizando um livro-razão distribuído para contabilidade pública, as comunidades podem tornar seus gastos transparentes e gerenciar melhor os recursos coletivos.

“A economia da federação consiste em gerenciar os recursos entre uma comuna e outra. A blockchain pode ter um grande papel nisso”, afirma.

O papel das mulheres

As mulheres desempenharão um papel fundamental nesse desenvolvimento, garante Gerdun Sterk, uma francesa que lidera o braço de mídia da Open Academy.

Ao oferecer às mulheres educação gratuita em tecnologia e filosofia, o Norte da Síria pode dar o exemplo não apenas para o Oriente Médio – região na qual as mulheres têm seus direitos sistematicamente violados – mas em todo o mundo, ela argumentou. Ela citou desequilíbrios de gênero em toda a indústria de tecnologia – especialmente em blockchain – como um exemplo do por que isso é necessário.

O argumento de Sterk está alinhado com os objetivos do projeto mais amplo do Norte da Síria. A libertação das mulheres tem sido uma característica definidora da revolução, com as mulheres ativamente encorajadas a participarem da governança da região. Muitas delas também tiveram um papel importante na luta armada contra o ISIS.

Segundo Sterk, a tecnologia enfrenta uma luta semelhante à das forças armadas no que diz respeito ao envolvimento das mulheres.

“Existe uma narrativa semelhante na tecnologia e nas forças armadas que as mulheres não são fortes o suficiente, elas não entendem do assunto, e assim por diante”, disse ela. “No começo, foi um grande esforço inspirar as mulheres a assumirem seu papel na luta armada. Foi um desafio cultural.”

A tecnologia pode dar às mulheres uma voz política.

“É uma oportunidade de moldar a sociedade de acordo com suas próprias perspectivas”, disse Sterk. “As mulheres podem participar do desenvolvimento de tecnologias descentralizadas, adaptadas às necessidades da sociedade.”

Um novo tipo de educação

Muitos jovens do Norte da Síria foram privados de obter educação por causa da guerra. Milhões deixaram o país, e muitos estão desiludidos demais para voltar. Isso motivou a Open Academy a testar métodos educacionais adaptados a estudantes que passaram por tirania e guerra. O objetivo específico é ensinar os alunos a aprenderem sozinhos, para que não dependam apenas da figura do professor.

Ele também foi projetado para dar aos jovens do Norte da Síria a esperança de reconstruir sua sociedade – algo que tem sido constantemente corroído após quase nove anos de conflito brutal.

Daristan, estudante de eletrônica, é originária de Afrin, uma das cidades mais vibrantes do Norte da Síria antes que as forças turcas a apreendessem em 2018. Ela estava caminhando para a universidade para coletar documentos para exames quando as primeiras bombas começaram a cair na cidade. A experiência mudou seus sentimentos sobre a educação tradicional.

“Na universidade, não consigo me concentrar nos estudos ou no apelo de me formar. Isso não significa nada para mim agora”, disse ela.

Daristan foi forçada a sair de Afrin após a invasão. Ela passou seis meses em um campo de refugiados antes de sair para frequentar a universidade. Agora, ela pula a aula e passa os dias codificando nos laboratórios de hackers da escola.

“A tecnologia tem um objetivo real. Na Open Academy existe uma visão, um objetivo. Isso é altamente motivador e atraente”, finalizou a jovem.

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Luciano Rocha

Luciano Rocha é redator, escritor e editor-chefe de newsletter com 7 anos de experiência no setor de criptomoedas. Tem formação em produção de conteúdo pela Rock Content. Desde 2017, Luciano já escreveu mais de 5.000 artigos, tutoriais e newsletter publicações como o CriptoFácil e o Money Crunch.

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