Ocorreu nesta quinta-feira (29) o webinar “Potenciais do Real no formato digital“. Organizado pelo Banco Central (Bacen), o evento contou com a participação de quatro palestrantes:
- Robert Townsend, Professor de Economia no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, na sigla em inglês);
- Eduardo Diniz, Professor da Escola de negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e chefe do departamento de tecnologia da instituição;
- Keiji Sakai, Country Manager da R3, empresa responsável pela plataforma Corda Blockchain;
- João Manoel Pinho de Mello, Diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central do Brasil.
Durante o evento, que durou 1h47, os participantes falaram sobre diversos temas relativos a criação e adoção de uma moeda digital do banco central (CBDC). Além desses temas, o sistema de pagamentos Pix, a segurança das CBDC e suas vantagens foram outros destaques.
Pix é bom, mas pode melhorar
Inicialmente, o professor Townsend, responsável pela abertura do evento, elogiou o Pix. Em sua visão, o sistema de pagamentos é maravilhoso, mas não é um sistema distribuído. Isso coloca o Pix sujeito a sobrecargas e até falhas.
Para Townsend, o Pix poderia funcionar como uma plataforma aberta, inclusive permitindo ao setor privado criar qualquer contrato. Essa estrutura pode ser fornecida pelo Bacen, mas não teria seu controle direto.
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Assim, a iniciativa privada também poderia criar suas aplicações dentro da plataforma. Por outro lado, o Pix deve contar com contratos inteligentes, para evitar que bancos possam fugir do sistema e não adotar a CBDC.
Vale destacar que, na visão de muitos economistas, o Pix já constitui um embrião do real digital. Portanto, melhorias no sistema podem, em última instância, contribuir para o sucesso de uma futura CBDC.
Por fim, Townsend abriu uma discussão que seria abordada pelos demais palestrantes: o dinheiro programável. Essa medida permitiria que governos realizassem políticas monetárias por meio de transferência direta de auxílios para as pessoas. Assim, a intermediação dos bancos seria retirada.
Preocupações com CBDC
Após a fala de Townsend, foi a vez de Mello realizar uma breve introdução. O diretor do Bacen voltou sua atenção para os cuidados com a escolha da tecnologia e o uso de CBDC estrangeiras. De acordo com ele, há que se evitar o conflito entre moedas.
“Há que se tomar extremo cuidado na escolha do desenho e tecnologia, para evitar desrespeito à LGPD, corridas bancárias, ou até deixar a CBDC voluerável a ataques cibernéticos. O uso transfronteiriço deve ter uma atenção especial no desenho de solução, visando evitar que haja a substituição indesejável da moeda de um país soberano pela de outro”, disse Mello.
É importante recordar que o Brasil não é o primeiro país a implementar o uso de CBDC. Nações como China e Rússia também estudam a tecnologia, sobretudo como forma de tornar suas moedas mais utilizadas globalmente e se livrar das amarras do dólar estadunidense (USD).
Novas tecnologias para antigos problemas
Em seguida, foi a vez de Eduardo Diniz ter a palavra. O foco de sua explicação foram os desafios que o Bacen terá para validar a CBDC, algo como o que a Casa da Moeda faz com as notas de real. No dinheiro “analógico”, esta validação é feita através de marcas d’água, selos nas notas e outras inovações.
A digitalização do real, embora facilite as operações, demandará a solução para novos desafios. No caso, os tokens que precisarão ser validados pelo Bacen. Para Diniz, esse sistema será uma versão digital de todos os sistemas de controle e tecnologias anti-falsificação utilizadas nas atuais cédulas de papel.
Em relação ao tipo de sistema, Diniz defendeu uma infraestrutura distribuída, a qual, em sua visão, traz vantagens em relação a robustez do sistema. A ausência de pontos únicos de falha pode auxiliar um sistema de moeda digital e dar como principais ganhos a segurança e robustez do sistema.
Perguntado sobre se as pessoas estariam preparadas para adoção de um real digital, Diniz citou o o sucesso do Pix. A ferramenta, segundo ele, provavelmente era pouco conhecida do público. No entanto, uma vez que começou a ser utilizado, o Pix caiu no gosto dos brasileiros, com 60% dos usuários considerando o sistema melhor do que o TED e DOC.
“A partir do momento que as pessoas utilizam uma tecnologia pela primeira vez, e percebe os benefícios que ela traz, a percepção de dificuldade muda completamente. No início havia, de fato, uma desconfiança com o Pix, porque as pessoas ainda não utilizavam o sistema”, explicou.
Desconfiança e facilidades das CBDC
Já Keiji Sakai inseriu as CBDC num contexto de combate ao que chama de “teorias da conspiração.” Nesse sentido, Sakai referiu-se aos riscos de controles sobre o dinheiro por parte do estado. Esses temas, por sinal, são bastante discutidos na criptoesfera brasileira.
Na visão de Sakai, as CBDC trazem avanço para o mercado financeiro, o qual não acompanhou os demais avanços de tecnologia. “Por mais que falemos ‘hoje temos o Pix’, sempre existe uma lacuna entre a transferência de um ativo e receber o dinheiro. Esta lacuna pode ser resolvida por meio da moeda digital”, explicou
Novamente, o tema de programar o dinheiro foi citado. Para Sakai, o sistema da CBDC pode conter várias facetas, entre elas a do dinheiro programável.
Ou seja, o Bacen poderia criar CBDC que possuem data de validade e desapareceriam da conta se não fossem gastas. Em outro cenário, o dinheiro não teria data de validade, mas só poderia ser gasto após uma data específica.
Para alguns, essas possibilidades trazem um grande dilema ético. Afinal, o que impediria o estado de vigiar as carteiras dos cidadãos? E se um governo criasse um tipo de CBDC que não pudesse ser gasto em determinados locais, retirando, assim, a liberdade de escolha?
Sakai, porém, não abordou esses pontos. Ao invés disso, o executivo citou o que considera positivo nessa tecnologia: eliminar diversos riscos em negociações. Por exemplo, um contrato inteligente cuja liberação de um bem está sujeita a entrega do dinheiro.
A ideia seria conectar a assinatura do contrato com a liberação do dinheiro na carteira da CBDC. Este passo serviria para substituir diversos intermediários, como cartórios. De fato, alguns contratos inteligentes feitos de forma descentralizada já trazem essas possibilidades.
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