Com a guerra fiscal entre Estados Unidos e China, corte de juros do banco central dos Estados Unidos (Fed) e a nova declaração de criptoativos pela Receita Federal brasileira, um assunto acabou passando despercebido entre os investidores de criptoativos: os 75 anos da celebração do acordo de Bretton Woods, nos Estados Unidos.
Mas o acordo, assinado antes do fim da Segunda Guerra Mundial, tem uma grande importância na histórica econômica. Ele marca o nascimento da cooperação econômica internacional e a interoperabilidade entre os países. Mais do que isso, marca o início de um processo de reconstrução econômica que contribuiu para os desequilíbrios globais que hoje preocupam os mercados. Também poderia ter definido o cenário para a solução.
O acordo de Bretton Woods consolidou a liderança dos Estados Unidos na economia mundial – liderança que se manteve inalterada nos últimos 75 anos mesmo com o fim do acordo, em 15 de agosto de 1971. Porém, certos fatos estão sugerindo que o reinado do dólar poderá subir em breve: sua participação nas reservas cambiais está acima de 60%, enquanto o peso da economia norte-americana na produção global caiu para menos de 25% e deve continuar em queda.
E quem poderá substituir o dólar como moeda de reserva mundial? O ouro… ou talvez a sua contraparte digital, o Bitcoin. Mas, antes disso, vejamos alguns antecedentes sobre o significado das três semanas de julho de 1994 em Bretton Woods e por que o acordo é importantíssimo para entender o sistema financeiro atual.
Sai a libra, entra o dólar
Em julho de 1944, um acordo foi elaborado entre delegados de 44 nações que estabeleceram o dólar norte-americano (USD) como a moeda de reserva do mundo, que estaria atrelada ao ouro (na época, todas as principais moedas mundiais tinham seu valor atrelado ao ouro). Os demais países membros teriam suas moedas atreladas ao dólar americano, e a relativa estabilidade entre as denominações aliviaria o comércio mundial e impulsionaria a recuperação do pós-guerra.
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O acordo também criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições concebidas para coordenar movimentos monetários globais e canalizar empréstimos para países em desenvolvimento.
O sistema de Bretton Woods pôs fim ao antigo padrão-ouro clássico, sistema que vigorava em todo o mundo desde o século XIX. Nele, todas as moedas mundiais eram lastreadas nas reservas de ouro de seus respectivos países; quanto mais ouro um país tinha, maior era o poder de compra de sua moeda. Em Bretton Woods, foi definido que apenas o dólar teria lastro direto em ouro e os demais países teriam um lastro “indireto” ao ouro por meio da moeda norte-americana.
“Oficialmente”, o dólar parou de ser a moeda de reserva global quando o presidente Richard Nixon tirou o país do padrão-ouro em 15 de agosto de 1971, acabando com o sistema de Bretton Woods. No entanto, ele permaneceu a moeda de reserva global “de fato”, pois os EUA eram a maior economia e nação comercial do mundo.
Os países tendiam a manter mais reservas em dólar do que em todas as outras moedas estrangeiras combinadas, pela facilidade de transacionar e por sua relativa estabilidade. No entanto, o dólar – e, por conseguinte, nenhuma outra moeda – deixou de ser conversível em ouro. Seu lastro era, de fato, nada.
Ser a moeda de reserva global é uma bênção mista. Embora facilite a tomada de empréstimos nos mercados internacionais, isso tira o poder de influenciar a economia doméstica.
Se os detentores da dívida externa começarem a acreditar que o presidente dos EUA (seja quem ele for) poderia encorajar uma desvalorização do dólar (algo que Donald Trump frequentemente insinua que pretende fazer), eles começariam a se desfazer, pois uma desvalorização faria com que seus títulos valessem menos. As participações estrangeiras na dívida dos EUA atualmente somam mais de US$ 6 trilhões, quase 30% do total em circulação. Dessa forma, caso a China resolvesse vender seus títulos da dívida dos EUA, isso seria um choque para o mercado e enfraqueceria a credibilidade do dólar por algum tempo.
Além disso, a demanda global por dólares decorrente de seu status de moeda de reserva está mantendo o valor do dólar elevado em relação a outras moedas, exacerbando o déficit em conta corrente dos EUA, atualmente o maior do mundo. E, quaisquer que sejam seus pontos de vista sobre a Teoria Monetária Moderna (que postula, entre outras coisas, que os níveis de endividamento não importam), a vulnerabilidade dos mercados norte-americanos às estratégias de investimento estrangeiro é inquietante.
O Bitcoin pode ser uma moeda de reserva global?
Dadas as crescentes dúvidas sobre o dólar, diversos países passaram a ver os riscos de uma moeda de reserva global baseada em um único emissor. Não é à toa que os bancos centrais mundiais estão cada vez mais comprando ouro, reacendendo o interesse pela antiga âncora de valor das moedas fiduciárias.
“Estimamos que os bancos centrais compraram aproximadamente 375 toneladas no primeiro semestre de 2019 e estamos elevando nossa expectativa de compras líquidas do setor oficial global para o ano todo de 675 para 725 toneladas. Este seria o nível mais alto desde a década de 1960”, escreveu Ross Strachan, economista sênior de commodities da Capital Economics.
Dessa forma, é inevitável observar que a narrativa sobre o Bitcoin também surgirá. O criptoativo possui muito mais vantagens do que o ouro em termos de segurança, armazenamento, transporte e controle por parte dos governos. Certamente uma alternativa baseada em algoritmos e livre de soberania seria mais estável e confiável?
A resposta é sim. No entanto, muitos analistas não consideram o Bitcoin como uma alternativa eficiente para substituir o dólar como moeda de reserva global. E pelo menos duas razões são apontadas para isso.
Primeiro, uma moeda global precisa ter uma oferta flexível. Os limites na quantidade de ouro mantida pelos bancos centrais foram um dos principais motivos pelos quais o padrão-ouro não funcionou, segundo esses especialistas; o crescimento econômico superou a oferta de dinheiro lastreado pelo ouro, e a inevitável disputa para superar essa limitação levou à desestabilização do sistema.
Segundo, o Bitcoin não se tornará um token universal de liquidação para contratos comerciais porque ele é volátil demais. Mesmo que a volatilidade diminua ao long do tempo, seus críticos acreditam ser improvável que as empresas e os poderes soberanos desistam de sua preferência por moedas fiduciárias, sobre o qual eles têm algum controle.
Então, se não for o Bitcoin, então o que poderia ser uma moeda de troca internacional que incorpora confiabilidade e flexibilidade?
Cesta de moedas
Um dos modelos mais endossado pelos que defendem uma nova moeda de reserva é algo parecido com a Libra, do Facebook: uma cesta de moedas e dívidas de governos que é periodicamente reequilibrada e usada para dar lastro a um token digital que pode ser usado para liquidação de pagamentos.
Mas o furor do debate em torno do propósito e do apoio da Libra em específico destacou a forte desconfiança dos motivos corporativos com as ambições globais do Facebook, e o exame minucioso antitruste dificultará que qualquer grande empresa crie uma solução universal.
Outro modelo desse tipo, muito mais provável, é um Direito de Desenho Especial (SDR) renovado. Essa cesta de moedas foi criada pelo FMI em 1969 para atuar como um token de transação privada e uma “reserva de valor” para os membros. Seu valor se move em linha com o das moedas que fazem parte da cesta: o dólar americano, o iene japonês, o euro, a Libra esterlina e o renminbi chinês.
Vários economistas propuseram a expansão do escopo do SDR para fins de comércio internacional, posicionando-o como uma moeda de reserva global que não depende de nenhum emissor e pode ser administrada por uma organização supranacional neutra, com a estabilidade econômica como objetivo principal. .
O problema é que mesmo um SDR líquido em sua configuração atual estaria sujeito a prioridades e vulnerabilidades nacionais. Uma acentuada depreciação do dólar norte-americano à medida que os bancos centrais mudam para o SDR como uma reserva poderia desestabilizar a cesta. O euro é quase tão significativo quanto uma moeda de pagamento global, mas carrega um risco existencial, ainda que remoto. O renminbi chinês ainda é amplamente controlado por seu governo, e o futuro da Libra britânica é incerto por causa do Brexit.
Conclusão
O acordo de Bretton Woods pôs fim ao padrão-ouro, sistema que funcionava por mais de um século e trouxe riqueza e estabilidade econômica para todo o mundo. Esse sistema durou menos de 30 anos até ser substituído pelo sistema atual, onde nenhuma moeda possui lastro. Nem mesmo o dólar.
Hoje, temos um sistema financeiro próximo do colapso, com países aplicando tarifas comerciais em excesso uns contra os outros, políticas de juros negativos e total controle financeiro nas mãos de governos. O fim de Bretton Woods consolidou o início do sistema monetário mais autoritário da história.
Nesse sentido, o Bitcoin pode representar uma alternativa que permita a volta da liberdade e do nosso controle sobre o nosso próprio dinheiro. Ele pode emular várias das características que tornaram o ouro valioso como reserva de valor, acrescentando aspectos próprios que tornam a si mesmo mais valioso, seguro e demandável do que o metal amarelo.
O novo Bretton Woods provavelmente não será negociado em uma mesa com 44 governantes reunidos, mas sim definido pelas forças de livre mercado através da escolha do melhor ativo criado nos últimos 10 anos.
Atenção: este é um artigo de opinião do redator, não necessariamente expressa o posicionamento do CriptoFácil.
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