O ano de 2019 tem prometido perspectivas muito boas para o mercado de criptomoedas e blockchain. Do lançamento da Bakkt à possível FacebookCoin; da ampliação dos desenvolvimentos da Lightining Network às perspectivas de Beam e Grin; do halving à criptomoeda do JP Morgan, o este promete muitas novidades para todo o ecossistema.
Para falar um pouco sobre como tudo isso pode impactar o mercado como um todo e, em particular, o mercado brasileiro, o CriptoFácil conversou com exclusividade com Gabriel Aleixo, líder de pesquisa da QR Capital.
Aleixo possui um extenso currículo. Estudou Administração e Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EBAPE), possui cursos de Inovação e Criptografia pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, é cocriador e apresentador da websérie “Bitcoin em Português”, o primeiro curso aberto sobre Bitcoin em língua portuguesa, além de ser pesquisador do ITS Rio e estar atuando desde 2013 em criptomoedas, tecnologia blockchain e segurança da informação. Confira a entrevista completa!
CriptoFácil: Quais suas expectativas para o avanço no desenvolvimento e na utilização de aplicações descentralizadas construídas em blockchains abertas em 2019?
Gabriel Aleixo: O ano de 2019 deve ser de construção e consolidação. Durante o boom ocorrido entre o final de 2017 e começo de 2018, vimos literalmente centenas de projetos arrecadando milhões de dólares em ofertas iniciais de moedas, os famosos ICOs. Entretanto, apenas uma parte minoritária deles parece realmente ter construído as aplicações prometidas e, entre essas, apenas uma parcela aparenta ter o que os investidores de risco chamam de “product market fit”. Ou seja, de centenas de projetos, apenas um punhado viraram empresas cujos produtos são capazes de atender a uma demanda concreta do mercado, com um número significativo de usuários reais. Contudo, apesar de poucos, esses “sobreviventes” que passaram pelo “boom” e pelo “bust” num breve intervalo tendem a gerar uma grande repercussão com o que vêm fazendo.
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O processo inteiro foi similar ao da bolha da internet, entre 1999 e 2000, quando bastava colocar “.com” em seu negócio para fazer seu valuation subir em algumas ordens de magnitude, para que então tudo acabasse virando pó para boa parte dos novos projetos da então nascente economia digital. Se por um lado foi um processo traumático para muitos investidores e empreendedores, por outro foi magnífico para uma gama enorme de usuários, dado que os players que conseguiram passar pela chamada “bolha do ponto com (.com)” são hoje gigantes da tecnologia como Google, Amazon e afins. No contexto da dita criptoeconomia, hoje, esses grandes nomes que entregam valor ao mercado a partir de produtos com demanda real se concentram em grande medida no ecossistema de plataforma Ethereum e vêm sendo conjuntamente chamados de movimento “DeFi”, de decentralized finance ou finanças descentralizadas.
Inclusive, até mesmo empresas da economia real atuantes no mercado nacional de criptoativos, como é o caso da QR Capital onde atuo, tendem a se beneficiar desse movimento. Afinal, gestoras, exchanges e afins, em todo o mundo passam a ser a porta de entrada para que os usuários possam transformar seus reais em criptomoedas como o bitcoin ou ether com o intuito de explorar esse novo mundo.
CF: Em quais mercados existem mais projetos sendo construídos e onde há mais expectativa por novidades por parte da comunidade de entusiastas mundo afora?
GA: Certamente, as palavras-chave para entender parte dos próximos ciclos da criptoeconomia serão finanças onchain (dentro da cadeia de blockchain) e privacidade. São tendências que vieram para ficar. No caso das finanças onchain, um dos projetos de maior destaque hoje é a plataforma MakerDAO, mantenedora da primeira stablecoin descentralizada do mundo, a DAI, que se baseia em empréstimos colateralizados. Há ainda a Compound, que oferece algo similar a uma renda fixa para depósitos em cripto e, também, sistemas descentralizados para trocas de criptoativos como Kyber, DDex, Uniswap, entre outros.
Isso tudo, é claro, além da consolidação de redes de pagamentos como já o são os protocolos do próprio Bitcoin, da Litecoin e suas respectivas soluções de pagamento offchain através da Lightning Network. Apesar de serem ainda projetos incipientes, o crescimento vertiginoso pelos quais vêm passando impressiona, tanto em liquidez quanto em número de usuários. O fenômeno parece ser resultado de formas mais baratas, rápidas e privativas de fazer uso das grandes criptomoedas para pagamentos menores, principalmente na contratação de serviços digitais, como VPNs, servidores, etc.
Por fim, uma tendência que já vem se fortalecendo desde 2015, que tende a se ampliar drasticamente nos próximos anos, é a das criptomoedas com foco em privacidade. Tanto a partir de criptomoedas “clássicas” como Bitcoin, Litecoin e Decred implementando melhorias na privacidade de suas transações, quanto com o aperfeiçoamento contínuo de projetos de nicho – por exemplo a Monero – e a inovação trazida na arquitetura de transações pelas recém-lançadas Grin e Beam.
CF: Enquanto fora do Brasil, crescem casos de uso das ditas “blockchains permissionadas”, em território nacional há uma gama de projetos de interesse público adotando o Ethereum na elaboração de seus projetos. Podem ser citados os projetos Voto Legal, BNDES Token e a própria prova de conceito em identidade digital construída pelo MPOG em parceria com a ConsenSys, maior empresa de desenvolvimento em blockchain do mundo. Em sua opinião, por que o interesse no uso das ditas blockchains públicas não parece limitar-se ao setor privado?
GA: Redes permissionadas com princípios e funcionalidades derivadas da tecnologia do o Bitcoin têm seu valor e seus casos de uso. Em especial para setores que ficaram para trás tecnologicamente com a emergência das criptomoedas, como é o caso de bancos, processadores de pagamentos e outros players do setor financeiro tradicional. Contudo, acredito que a grande transformação está no uso de protocolos abertos, chamados também de “trustless”, uma vez que não se precisa de permissão ou da confiança em terceiros para que se possa minerar, rodar um full node ou enxergar quaisquer informações nessas redes.
Logo, em projetos de interesse público, tanto vinculados ao setor público quanto ao terceiro setor, o uso da tecnologia blockchain está (ou deveria estar) vinculado ao que ela pode proporcionar em termos de transparência, imutabilidade e disponibilidade das informações armazenadas ou registradas (através de timestamps). E nesses quesitos em particular – embora possam perder no quesito “rapidez” das transações para outras redes permissionadas mais otimizadas para tal – redes públicas como a do Bitcoin e a da Ethereum são algumas ordens de magnitude melhores, pois não há alguém que possa “desligar a rede da tomada” ou deixar a base de dados indisponível. Além disso, os custos que tornam absolutamente proibitivas tentativas de “mudar o passado” em uma blockchain só estão devidamente presentes nas redes públicas, em especial aquelas com astronômico poder de processamento protegendo-as através do sistema de Proof of Work da mineração, ponto em que a rede do próprio Bitcoin tem larga vantagem.
Por fim, os casos de uso em que se vêm utilizando blockchains em projetos de interesse público no Brasil, como nos exemplos mencionados, não prescindem de uma taxa de transferência altíssima. Isto é, não precisam de uma rede capaz de acolher um alto volume de transações por segundo, o que faz com que as redes permissionadas percam o principal atrativo que possam ter hoje. Para o futuro, quando essas aplicações passarem a requerer tal volume, em virtude de inovações de escalabilidade tanto onchain quanto offchain, acredito que mesmo esse problema em particular estará resolvido.
CF: Por outro lado, redes generalistas de blockchain já não se restringem nos últimos anos ao Ethereum e seus desdobramentos, com o surgimento de “concorrentes” de peso como EOS, NEO, TRON, Binance Chain e outros. Como o grande crescimento esperado no uso dessas plataformas ao longo do ano pode impactar o mercado? Uma eventual disputa acirrada por espaço na criptoeconomia pode ser prejudicial ou você acredita que há espaço para todas elas?
GA: Sem dúvidas, esse fenômeno já saiu da esfera de “tendência” para se tornar uma realidade permanente, iniciada no segundo semestre de 2018, que vem se reforçando nos últimos meses. Apesar da larga vantagem que a Ethereum tem nesse ecossistema, mesmo que não em todas as métricas possíveis, essa dominância está parcialmente em risco.
Embora a Ethereum venha se posicionando mais assertivamente sobre o que pretende fazer para resolver seus atuais gargalos de escalabilidade, a própria fundação incumbida de atualizar boa parte do protocolo pontua que algumas dessas novidades só virão em um ou dois anos.
Ou seja, o principal risco de mercado é o de que essa “janela de oportunidade” possa trazer um largo crescimento em plataformas hoje consideradas alternativas. Mesmo apresentando eventualmente um menor grau de descentralização, ganhos em velocidade e escala de transações, somado à interoperabilidade ou retrocompatibilidade com padrões da Ethereum (como o dos tokens ERC20), têm tornado essas outras tecnologias cada vez mais atrativas. Com a competitividade, os projetos alternativos têm desenvolvido soluções cada vez melhores para migração de tokens/projetos de uma blockchain para a outra, além da criação de “pontes” entre essas diferentes blockchain. Enquanto isso ocorrer de forma a ampliar o mercado, sem dúvidas a criptoeconomia passa a crescer como um todo.
Entretanto, pode ser que a partir de um dado ponto, especialmente com o mercado menos eufórico como está hoje, isso passe a ser um jogo de soma zero, em que o crescimento de um pode representar a perda em fatia de mercado de outro. Então, ganhará quem oferecer o que há de melhor dentro das demandas do mercado. Por isso, é importante estar atento não somente ao que um ou outro projeto preconiza e enfatiza em seu marketing, mas principalmente às dores pelas quais as aplicações descentralizadas vêm passando, a fim de que se possa entender quem são os nomes mais promissores desse nicho.
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