O carbono pode se tornar a moeda do futuro? É possível pensarmos em uma sociedade em que as unidades de carbono emitidas estejam integradas ao cotidiano de compra e ação dos usuários? Em um sistema onde consumo e produções zero ou negativas em carbono possam ser revertidas diretamente em dinheiro para àqueles com ações sustentáveis?
Eis o que descobriremos no II artigo da série Blockchain para Impacto Positivo, uma parceria da Impacta com a Celo Foundation.
Crise Climática
A mudança climática pode ser um processo natural que ocorre ao longo de milhões de anos, mas o problema é a velocidade dessa mudança. Depois de apenas um século e meio de industrialização, desmatamento e agricultura extensiva, aceleramos sem precedentes o aquecimento global – os gases de efeito estufa na atmosfera atingiram níveis recordes não vistos nos últimos três milhões de anos. Agora é inequívoco que as atuais condições meteorológicas extremas seriam impossíveis sem ação humana.
A história da evolução humana sempre foi a história de suas fontes de energia. Mas hoje, a definição da nossa relação com as fontes energéticas e sistemas de produção, definirá como será nossa vida na terra. Eventos climáticos extremos têm se tornado cada vez mais comuns nas últimas décadas e o sistema financeiro global é completamente dependente do capital natural. Como resultado, a forma como estamos desenvolvendo nossas cadeias produtivas colocam em risco nossa vida na terra.
Pobreza extrema, diminuição da biodiversidade, conflitos locais e mundiais por recursos, toxicidade de rios, contaminação dos sistemas naturais, queda na atividade econômica, aumento do nível do mar e seca extrema já são nosso presente e serão nosso futuro se nada mudar. Em 30 anos, podemos ter mais de 1,2 bilhão de migrantes climáticos e cada vez mais a nossa geração está enfrentando o risco da sexta extinção em massa da biodiversidade na terra. Precisamos lidar com as externalidades negativas deixadas pelos sistemas de produção se não quisermos passar por isso.
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Incentivos ao Capital Natural como Solução
Para impedir esse futuro hostil, só há um caminho: tornar a proteção e regeneração dos habitats e do capital natural, mais vantajosa economicamente do seu desmatamento. Apenas quando existem incentivos financeiros corretos, é possível começarmos a solucionar esses problemas.
Historicamente, o movimento ambiental foi pautado por um paradigma proibitivo. Em que as estratégias eram bilaterais, e as opções eram duas: ou colocar um cadeado nos ecossistemas para impedir o desmatamento, ou que determinadas atividades fossem proibidas. Mas proibir não é o mesmo que solucionar problemas. Cada dia é mais clara a necessidade de uma abordagem pró-ativa para alcançar uma mudança radical e duradoura.
Um exemplo interessante de como incentivos econômicos podem ser mais efetivos do que paradigmas proibitivos é o caso da pirataria de filmes. Há décadas a indústria de filmes busca proibir a reprodução p2p de filmes e aplicar sanções às reproduções ilegais, tais proibições nunca tiveram grande efeito. Mas, o Netflix conseguiu! Em janeiro desse ano, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou uma pesquisa intitulada “Perfil do Consumidor: Consumo pela Internet” em que os dados apresentados apontam que, entre 2013 e 2019, a pirataria sofreu uma redução expressiva no Brasil, coincidindo com a popularização de plataformas de streaming de filmes e música como a Netflix e Spotify.
Por isso, as soluções de web3 para impacto são tão importantes. Elas podem fazer com o desmatamento o que a Netflix fez com a pirataria. Resolver problemas com inovação e não proibição.
Nova classe de ativos financeiros: os ativos naturais
Recentemente, os ativos naturais estão se consolidando como uma classe de ativos financeiros, com produtos como o Nasdaq Veles California Water Index (NQH20), o primeiro índice que correlaciona o preço da água no estado da Califórnia, possibilitando transparência não antes vista, e permitindo a criação de um instrumento financeiro que correspondesse às necessidades estaduais relacionadas à água, um grande marco para o encontro entre o mercado de capitais e os ativos ambientais.
Dentro do setor de mitigação climática, o ativo natural mais líquido e regulamentado é o Carbono. Os créditos de carbono já são uma referência que refletem a permissão de poder emitir certa quantidade de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Esses créditos são referências mensuráveis e verificáveis sobre a redução das emissões de carbono partindo de projetos certificados que protegem e recuperam ecossistemas naturais, ou reduzem a dependência de combustíveis fósseis.
Tais projetos necessitam passar por um critério definido por terceiros a partir de standards como o Verra e o Gold Standard, depois da certificação, empresas e indivíduos podem comprar tais créditos que são permanentemente retirados do mercado e não podem ser utilizados.
Depois do formato de compensação corporativa, relacionado às empresas, o mercado de carbono começa a entrar em fase, apresentando-se como oportunidade para pessoas físicas se compensarem e também fazerem trade.
A precificação do carbono possui uma função diretamente relacionada às políticas de emissão zero. Mesmo países adotando o comprometimento de emissão zero, um relatório do banco mundial menciona que se tais políticas fossem implementadas, ocorreriam uma redução de somente 0.5% nas emissões globais no ano de 2030 em comparação com os resultados de 2010. O que se distancia radicalmente da necessidade de redução de 45% das emissões para evitar o aumento de 1.5o na temperatura global.
Nova classe de ativos digitais: os ativos naturais tokenizados
No mercado cripto, a tokenização dos ativos naturais está quebrando barreiras de acesso, ao expor mercados locais – como a Amazônia- ao mercado financeiro amplo e inovando o setor, resolvendo problemas históricos como o duplo dispêndio dos créditos de carbono já aposentados.
A transparência, acessibilidade instantânea a mercados mundiais, verificação descentralizada de terceiros para confirmar informações e construir reputação e a certificação de origem e de reserva, onde os oráculos entram como chave para a transposição de informações existentes off chain para on chain são outras tendência cripto quando pensamos no setor de créditos de carbono.
Outro aspecto inovador dos projetos de blockchain focados em ativos lastreados na natureza é a colateralização dos ativos. Ao criar uma nova classe de ativos digitais lastreados em florestas, créditos de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, abrimos as portas para criação das stablecoins naturais. Ativos que podem ser utilizados em protocolos de empréstimos, para seguros e diversos outros casos interessantes.
Diferente de moedas como o dólar e na mesma direção que o Bitcoin, ativos naturais são naturalmente deflacionários e não podem ser controlados por nenhum governo. Florestas são extremamente difíceis de serem criadas e impossíveis de serem controladas por atores centrais.
Reservas compostas por ativos naturais
E não estamos falando do futuro. Mas do presente. A Celo já usa assets naturais como colaterais para compor sua reserva, criando um mecanismo de reserva baseado na natureza.
Algumas vantagens evidentes dos tokens lastreados na natureza são:
- Diversificação do risco da reserva devido ao potencial de descorrelação dos ativos naturais com os ativos digitais tradicionais. Ao introduzir um ativo lastreado na natureza, aumentamos o potencial de descorrelação e diminuímos o risco geral do portfólio cripto, que tende a correlação com Bitcoin.
- Aperfeiçoamento dos mecanismos de estabilidade, devido a composição com ativos reais, precificados e usados no mundo físico. Diferente da maior parte das criptomoedas, os ativos lastreados em natureza tendem naturalmente a estabilidade, devido a sua natureza física. Essa tendência cria um mecanismo de ‘‘estabilidade’’, que diferente das stablecoins tradicionais, não dependem da política de governos específicos e estão sujeitas a sua inflação.
- Portfólio alinhado às tendências das gerações de nativos digitais e nativos ecológicos. Os consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos ecológicos e estão preocupados com a questão climática. Oferecer um produto alinhado às novas gerações, é criar portfólio resilientes.
- Ativos de mitigação à mudança climática: em todo mundo, regulações e sanções estão sendo aplicadas a ativos, produtos e cadeias de produção que não estão alinhadas ao desenvolvimento econômico e social. Ativos lastreados na natureza ao invés de sofrerem sanções, se beneficiam de políticas relacionadas ao clima.
O mercado de Ativos Naturais Tokenizados
O ano de 2020 marcou a aparição da primeira coalisão de empresas de blockchain que tornaram possível a compra e venda de tokens de carbono para investimentos ou para serem consumidos de acordo com o footprint individual. Empresas como Bittrex Global, Ledger, CertiK, InfiniGold e Uphold criaram o Universal Protocol Alliance (UPA) e começaram a debater a pegada de carbono no setor de blockchain como um todo.
Mas nos últimos dois anos, o setor de finanças digitais, descentralizadas e sustentáveis explodiu, com projetos brilhantes, inovadores e com capitalizações de mercado nada insignificantes. Abaixo, listamos os projetos que estão mostrando o potencial das criptomoedas para o impacto ambiental.
Regen Network (REGEN) – DeFi para crise climática
O Regen é um protocolo DeFi desenvolvido para funcionar como uma infraestrutura para a crise climática. Usando o Cosmos Software Development Kit (SDK), o Regen permite verificação e reivindicações relacionados ao estado ecológico de habitats físicos e a comunicação de várias bases de dados, produzindo um sistema público de contabilidade ecológica.
Através de um protocolo interchain focado em ativos naturais, o Regen está criando uma solução para permitir que donos de terras possam vender seus serviços ecossistêmicos diretamente a compradores em todo o mundo. Imaginem um protocolo interchain que permita que as florestas, mangues, pântanos e sistemas agrícolas sustentáveis possam ser pagos pelas dezenas de serviços ecossistêmicos atrelados a esses habitats. Esse é o Regen!
Toucan Protocol (BTC)– Infraestrutura para o carbono na web3
O Toucan é um framework para criação de créditos de carbono na web3. A Toucan já foi responsável pela compensação de mais de 18 milhões de toneladas de carbono. Basicamente, o Toucan conecta o mercado voluntário de carbono à Web3, provendo liquidez ao setor. Para cada crédito verificado que entra na plataforma, um crédito tokenizado é gerado.
O Toucan funciona com dois tipos de produtos, o Base Carbon Tonne (BCT) e o Nature Carbon Tonne (TCO2). O BCT é uma cesta de tokens de carbono que atendem a padrões selecionados de terceiros e compõem a pool do Toucan, enquanto que o TCO2 é um pool premium, com carbonos relacionados a projetos baseados na natureza, como silvicultura e agricultura regenerativa.
KlimaDAO – preço como estratégia
Em terceiro lugar, está o KlimaDao, uma DAO focada em aumentar o custo das emissões de carbono para interromper os mercados de emissão. A ideia do KLIMADAO é simples: tornar o mercado de compensação tão caro, para que as pessoas precisem se esforçar para reduzir suas emissões.
O Klima incentiva o uso dos créditos tokenizados do Toucan com um sistema de recompensa para os holders desse crédito. Basicamente, os participantes compram o BCT e vinculam-no ao protocolo para receber KLIMAs, que podem ser vendidos ou continuar stekados. Assim, quanto mais o BCT sob reserva do Klima DAO, maior tende a ser o preço real das emissões de carbono, forçando os participantes do mercado a se adaptarem ou pagarem por maiores emissões de carbono.
Single.Earth – gêmeos digitais da natureza
A Single.Earth é um case muito interessante que se baseia na proposta de construção de um gêmeo digital de sistemas naturais, que seriam refletidos em tokens. A compensação de carbono nesse caso está diretamente relacionada ao mecanismo de geração de novos tokens “MERIT”, que são originados a cada vez que 100 kg de CO2 são sequestrados por uma floresta específica ou área de biodiversidade. Recentemente a Single.Earth recebeu o aporte de $7.5M, em rodada liderada pela EQT Ventures.
Recentemente a Single.Earth recebeu o aporte de $7.5M, em rodada liderada pela EQT Ventures. Em artigo para o Techcrunch, Sandra Malmberg, Venture Lead do fundo, comenta: “o petróleo era o novo ouro, os dados o novo petróleo; agora, a natureza é o recurso mais precioso e valioso de todos. Uma empresa com um hectare de floresta salvo como uma métrica chave para escalar é uma empresa que estamos entusiasmados em apoiar. Romper a economia e os mercados financeiros com uma nova classe de ativos negociáveis e líquidos com impacto positivo no meio ambiente é um investimento irresistível.”
Aviso: O texto apresentado nesta coluna não reflete necessariamente a opinião do CriptoFácil.
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