Carl Amorin, um dos principais brasileiros integrantes do universo blockchain e das criptomoedas, executivo do Blockchain Research Institute no Brasil e co-editor, tradutor e autor da apresentação do livro Blockchain Revolution de Don Tapscott, será um dos palestrantes da VI Bitconf, que será realizada nos dia 05 e 06 de maio em São Paulo.
Amorin falou com exclusividade para o Criptomoedas Fácil sobre os diversos desenvolvimentos e questões envolvendo a tecnologia blockchain. Confira:
Criptomoedas Fácil: Como você vê este processo de regulamentação e autorregulamentação que o universo blockchain e das criptomoedas vem enfrentando e como ele irá impactar todo o mercado?
Carl Amorin: Acredito que era questão de tempo até a entrada dos reguladores na equação, por mais que a blockchain permita uma sociedade sem intermediários, as operações com cripto-ativos estão atingindo uma escala preocupante para quem tem como missão a proteção dos investidores e a manutenção da lei. É uma atitude infantil acreditar que seria possível reconstruir um sistema financeiro totalmente à margem do governo, da Receita Federal, sem regras. Não basta meia dúzia de cripto-arqueólogos apontando iniciativas duvidosas e gritando pirâmide, é preciso envolvimento das autoridades para repressão desses esquemas e, para seu envolvimento, de legislação clara e específica.
O problema é que, em mudanças de paradigma, como a que a revolução digital exige e a blockchain é a última peça que faltava, uma forte reação dos setores já estabelecidos é esperada. Bancos, cartórios, políticos etc, vão, como primeira reação, tentar bloquear ou atrasar o processo. Foi assim com o Uber e os aplicativos de transporte, está acontecendo com o Airbnb e vai acontecer com o Blockchain. A missão é levar o máximo de conhecimento e difundir o potencial de sua aplicação além das criptomoedas e da especulação financeira. Deixar um pouco o discurso revolucionário e do fim das instituições e passar para a inclusão, desenvolvimento econômico e social, propondo uma legislação que proteja o cidadão e incentive os negócios ao mesmo tempo.
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É importante deixar claro que não há espaço para uma legislação tipo Bandeira Vermelha (Red Flag Act, que exigia que todo automóvel na Inglaterra no fim do século 19 tivesse contratados três empregados: motorista, co-piloto e uma pessoa para ir andando na frente agitando uma bandeira vermelha para não assustar os cavalos) que venha tirar o Brasil da frente do processo de desenvolvimento da tecnologia do Blockchain e nos coloque na posição de dependente de tecnologia externa.
CF: Você acredita que no futuro teremos mais “comunicação” entre as blockchains?
CA: Acho que a interoperabilidade é questão de tempo, o fato de já haverem algumas iniciativas nesse sentido provam isso. Não acredito que haverá um Blockchain, ou que alguma tecnologia vá prevalecer sobre as outras, isso é ruim e não servirá a ninguém. A ideia de um sistema prevalecer sobre os outros é resquício da cultura de plataformas estanques, um sistema operacional não rodava os mesmo softwares, o padrão de uma fábrica não comunicava com o outro por uma questão de mercado, criação de barreiras de entrada. Fruto de uma cultura industrial, de padrões fechados.
Isso não tem mais lugar nos dias de hoje, sistemas como google docs, office365 e todas as plataformas em nuvem abriram o padrão, não importa sua máquina ou navegador, o acesso está garantido. O blockchain tem de ser igual, não importa o protocolo. Para ser mais preciso, acho que no futuro, o cidadão comum não terá a menor ideia que seus negócios e sua vida pessoal estão sendo conduzidos em um ou vários blockchains. Como não sabem qual o protocolo de seu acesso à internet ou sobre o qual suas mensagens de whatsapp são enviados.
CF: Como a Lightning Network e soluções de layer 2 vão impactar o mercado e aumentar a adesão das criptomoedas?
CA: Acho que toda solução que melhora o sistema e ataque os problemas já conhecidos com a tecnologia do Blockchain, e escalabilidade é um deles, só contribuirão para o aumento da adesão aos cripto-ativos. Como também acredito que a educação, prototipação e experimentação também terão o mesmo papel. O Blockchain é uma tecnologia de altíssimo impacto que ainda está em construção e que precisa não só de desenvolvimento tecnológico, mas uso e experimentação para que os desafios sejam identificados e novos problemas endereçados.
Aumentar a capacidade de processamento e reduzir os custos de transações é um grande passo para aumentar o uso do blockchain e essas soluções entregando isso vão obviamente atrair mais gente, mais operações, mais experimentação e vão melhorar o desenvolvimento do Blockchain em termos de sofisticação de operações e de smart contracts.
CF: Uma das grandes potencialidades da blockchain é sua imutabilidade. Entretanto, isso não garante que o dado inserido não seja “viciado”, ou seja, ter um ID nacional em blockchain não garante que não seja possível criar uma identidade falsa por diferentes meios. Além disso, hoje a blockchain não permite que seja “deletada” alguma informação, fato que entre em “choque” com a nova legislação europeia e mesmo com as questões de privacidade. Como esta, que é uma das maiores características das blockchains, pode ser um de seus dilemas?
CA: Isso são dois problemas completamente distintos causados pela mesma característica. Tudo na vida tem um trade off, temos a segurança do registro imutável, mas para isso perdemos o direito ao esquecimento. Queremos um mundo sem intermediários, mas temos problemas sobre a confiabilidade dos dados inseridos, exigimos anonimato para os registros e acabamos achando pornografia infantil no blockchain. A tecnologia não anda sozinha, há a necessidade de processos e no caso do Blockchain, processos distribuídos. Mas como construir processos distribuídos, se as instituições educacionais não foram preparadas para isso?
Defendo que os cartórios seriam nosso maior aliado para a inclusão do cidadão na economia digital. Onde os documentos de identificação seriam confirmados por uma autoridade com fé pública. Isso é um modelo distribuído que, por puro preconceito e desconhecimento, é condenado pelo ecossistema do Blockchain. Enquanto isso, o e-CPF e o e-CNPJ, nossos mais importantes documentos, onde todos nossos dados estão atrelados, estão nas mãos centralizadas de duas empresas americanas, Experian e Certisign.
CF: Há muita especulação que no futuro podemos não votar mais em candidatos mas em contratos inteligentes autoexecutáveis que irão operar no sistema. Entretanto, vemos diariamente que as decisões políticas envolvem uma série de fatores e, num país continental como o Brasil, por exemplo, cheio de desigualdades, uma proposta governamental nem sempre pode ter as mesmas regras para todo o país. Isso sem contar, por exemplo, as relações internacionais que são altamente complexas e mudam conforme o jogo geopolítico muda. Como podemos pensar que uma blockchain pode realmente governar uma nação?
CA: A pergunta é, como podemos pensar em conceito de nação nas próximas décadas, o blockchain mostra que podemos emitir ativos digitais sem localização geográfica, que o dinheiro não tem mais fronteira como a comunicação. O problema não serão os governos nacionais, mas os locais. Votar um orçamento não é coisa que vai começar no nível federal, mas no condomínio, no bairro, na comunidade, no município. Para chegar ao nível nacional terá de se provar localmente antes.
Outro problema é o da democracia direta, sistemas assim se assemelham a uma situação onde dois lobos e um cordeiro votam o prato a ser servido no jantar, assim, democracia direta tem o poder de excluir os direitos das minorias, e, desta forma, veriamos comunidades onde eventos e políticas inclusivas seriam simplesmente apagadas da agenda.
Não acredito que o blockchain vá governar a nação, mas poderá dar poderes aos cidadãos a gerenciarem investimentos de infraestrutura e o governo atuar na supervisão, sem poderes de distribuição de recursos ou de chantagem sobre prestadores de serviços, o que nos levou à vergonha da lava jato e os escândalos de corrupção maciça e generalizada que vemos todos os dias nos jornais.
CF: A sociedade tal qual conhecemos hoje, certamente irá mudar com a IA, Computação Quântica e Blockchain. No entanto, ao longo da história, por mais avanços tecnológicos que promovemos, não conseguimos mudar a condição humana erradicando a pobreza ou as desigualdades sociais. Podemos dizer que a blockchain do ser humano é a sua ânsia em ser oposto ao outro ou um dia caminharemos para uma sociedade mais justa, em outro planeta talvez?
CA: Acho que a tecnologia está se tornando inclusiva, mas há uma caminhada grande não tecnológica, de mudança cultural, o homem não está preparado para um sistema auto organizado, inclusivo, distribuído. Ainda nos comportamos dentro do paradigma da escassez, e por ele ensinamos que não há recursos para todos, que a acumulação é a proteção para os dias das vagas magras e isso causa a desigualdade.
Com as tecnologias mencionadas, uma sociedade organizada em rede distribuída, caminhamos para um modelo mais inclusivo, sob o paradigma da abundância e isso poderá reduzir a desigualdade. Só a tecnologia, não vai fazer nada, como as políticas de distribuição de renda não fizeram.