A busca por um sistema de votação mais eficiente
Um sistema de votação verdadeiramente democrático
Ouvimos muito sobre o uso de blockchain em saúde, contratos inteligentes e identificação pessoal, entre outras áreas. Mas um uso onde a blockchain está sendo muito considerada é nas eleições.
A utilização de uma solução blockchain para votações objetiva criar um sistema de votação verdadeiramente democrático. Ao possibilitar que eleitores votem diretamente em candidatos, plebiscitos ou referendos, a blockchain asseguraria a integridade e abrangência do processo eleitoral.
E o que poucos sabem é que a tecnologia blockchain já está sendo efetivamente testada com esta finalidade.
O estado norte-americano de West Virginia utilizará um App de votação em Blockchain nas Midterm elections dos Estados Unidos, permitindo que seus cidadãos, residentes no exterior, votem remotamente via blockchain.
Uma startup sediada em Boston, chamada Voatz, criou um aplicativo para garantir que todos votem, com segurança, caso um local de votação não esteja disponível. Tal aplicativo também será disponibilizado aos militares em missão no exterior.
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O Estado já realizou com sucesso um projeto piloto com este formato em maio, sob os olhos atentos de quatro auditorias independentes. A Tusk Montgomery Philanthropies, fundada por Bradley Tusk (Oxford Blockchain Strategy Programme, 2018), está trabalhando com West Virginia para financiar o projeto. Assista ao vídeo sobre o West Virginia’s Blockchain Voting App abaixo:
A abrangência democrática
Em 2017, a OCDE citou, em seu relatório Blockchain Voting for Peace, o estudo de caso de um plebiscito realizado na Colômbia em 2016.
Na época, a organização sem fins lucrativos Democracy Earth Foundation criou uma plataforma blockchain para possibilitar que colombianos residentes no exterior participassem simbolicamente do plebiscito sobre o tratado de paz entre o governo e as FARC.
O interessante, aqui, foi a possibilidade de abrangência democrática proporcionada pela blockchain.
Pelo sistema eleitoral tradicional, apenas 599.026 dos 6 milhões de colombianos que viviam no exterior há época tinham o direito de votar no consulado de seus países de residência. A utilização da plataforma blockchain permitiu que quase a totalidade dos colombianos expatriados votassem no plebiscito.
Além de testar o processo de autenticação da blockchain em um contexto de votação, o Democracy Earth também experimentou um conceito diferente de democracia. Em vez de dar aos cidadãos a escolha entre votar “sim” ou “não” para apoiar o tratado de paz, cada eleitor poderia votar em subtemas do tratado de paz proposto e indicar a importância relativa de cada um. Este conceito diferente de democracia chama-se “democracia líquida“: um poderoso modelo de votação para tomadas de decisões coletivas em grandes comunidades.
Democracia líquida ou delegativa
Democracia líquida ou democracia delegativa é um projeto de democracia direta, no qual as votações se realizam por um mandato específico para uma determinada questão, e é suplementado por uma recomendação de ação (uma análise da questão em debate feita por especialistas na matéria, pró e contra). É um sistema misto entre democracia direta e democracia representativa, no qual os representantes do povo são designados para votar em cada tema, ao invés de serem eleitos para um mandato amplo, com duração específica. Em alguns casos, na democracia líquida, o mandato específico pode ser delegado.
No presente, o partido pirata alemão, o partido local suéco Demoex e a Listapartecipata italiana, cujo lema é “O controle do governo nas mãos do Povo” (e não somente no dia das eleições), dentre outros, já praticam e defendem a democracia líquida, em caráter experimental.
A implantação de uma democracia líquida tornaria o sistema de votação, sem dúvida, verdadeiramente democrático.
O que há de errado com a democracia hoje?
Na democracia direta, os eleitores estão diretamente envolvidos na tomada de decisões do Estado. Os eleitores expressam suas opiniões votando em todas as questões que lhe são apresentadas. As democracias diretas oferecem aos cidadãos controle total, responsabilidade e igualdade. As democracias diretas, contudo, não eram viáveis para comunidades maiores até bem pouco tempo atrás. Como obter o voto de todos os brasileiros em todas as questões que envolvem o Estado? Por isto, é que surgiu a democracia indireta.
Na democracia indireta (ou representativa), o cidadão entregar seu direito de voto a representantes (deputados e senadores) que agem em seu nome na tomada de decisões. Os representantes são “teoricamente” especialistas dispostos a servir e representar o interesse da comunidade em um órgão do governo (por exemplo, no Congresso Nacional). Ora, isto traz alguns problemas como:
- os cidadãos limitam-se a votar em um número restrito de candidatos que muitas vezes não compartilham pontos de vista ou interesses ideológicos.
- Na maioria das vezes, os eleitores são forçados a desistir de sua preferência pessoal para votar no candidato com maiores chances de ser eleito.
- a compra de votos, o voto de cabresto.
Estas são as principais razões pelas quais a geração milenium é tão desinteressada por política.
Mas além desses problemas óbvios nas democracias diretas e representativas, uma falha não tão óbvia é o fato e que….
O processo eleitoral e de votação tradicional não está alinhado com a tecnologia disponível
O sistema eleitoral e de votação atual está desatualizado. Em vez de possibilitar o voto de maneira segura e conveniente via Internet, os eleitores precisam dirigir-se a cabines de votação físicas distantes, apenas para preencher uma cédula de papel.
E como bem observa Dominik Schiener, isso sobrecarrega desnecessariamente os eleitores, o que pode levar os eleitores simplesmente a não se esforçarem para votar.
Ou pior, como vimos recentemente no primeiro turno das eleições, cidadãos que foram impedidos de votar porque urnas eletrônicas apresentaram defeito, nos locais de votação não existia elevador para os idosos ou acesso para deficientes físicos.
Ironicamente, isso é exatamente o que a democracia tenta evitar.
A opinião de todos é importante e deve ser incluída no processo coletivo de tomada de decisões. Mas as barreiras de votação que ainda estão de pé hoje impedem que isso aconteça.
O ideal seria um sistema de votação incorruptível, o que eu chamo de uma “democracia sem fins lucrativos”, onde todos possam exercer de modo direto (sem intermediários), transparente (auditável) e seguro (anti-fraude) suas preferencias políticas.
Uma luz no fim do túnel
São inúmeros problemas existentes no exercício da democracia direta e indireta, e paira um clima de desconfiança sobre os atuais os mecanismos e resultados de votação. Logo…
A blockchain surge como uma “luz no fim do túnel”.
Sua utilização no processo político e nos mecanismos de votação poderia eliminar a fraude eleitoral.
E mais, inauguraria não só uma nova maneira de validar e autenticar o voto, mas colocaria o efetivo exercício do poder nas mãos do Povo (e não somente no dia das eleições).
A arquitetura blockchain atua como um livro público aberto, compartilhado, confiável, transparente.
Ela permite que cada voto se torne imutável após ser registrado na rede, ao contrário dos sistemas de votação eletrônicos atualmente em uso. Basicamente, ao lançar votos como transações na blockchain, é possível monitorar os registros dos votos e ter a certeza de que nosso voto foi efetivamente computado para aquele candidato ou aquela proposta.
Portanto:
Todos concordariam com o resultado final da eleição, porque acompanhariam a contagem dos votos em tempo real, certificando-se da legitimidade do processo democrático.
Devido à transparência e auditabilidade da blockchain, é possível verificar a legitimidade de quem vota, e que nenhum voto foi alterado, removido ao adicionado ilegalmente ao pleito.
Takeaway
Claro que algumas autoridades estão hesitantes em apoiar a tecnologia blockchain devido a sua estrutura descentralizada, a natural aversão ao risco dos formuladores d políticas públicas.
Alguns desafios ainda precisam ser superados, como o estágio embrionário da tecnologia blockchain; o acesso de banda larga e habilidades de usuário digital; barreiras regulamentares; resistência dos líderes políticos que se beneficiam do status quo; e a resistência cultural, inclusive no meio acadêmico.
No entanto, o gênio já não está mais na garrafa e mentes brilhantes já estão trabalhando nas mudanças necessárias para a efetivação de uma democracia líquida via blockchain num futuro próximo.