Nesta quinta-feira, 16 de novembro, o diretor de regulação do Banco Central do Brasil (Bacen), Otávio Ribeiro Damaso, e o diretor de política monetária da instituição, Reinaldo Le Grazie, assinaram um comunicado cujo objetivo é ser um “alerta sobre os riscos decorrentes de operação de guarda e negociação das denominadas moedas virtuais”. Além disso, o Bacen também divulgou uma página que lista perguntas frequentes (FAQ) sobre moedas virtuais.
Quero discutir neste post alguns pontos colocados pelos dirigentes do banco no tal comunicado e também no FAQ.
Para que não fique confusão no ar, com este “comunicado” que é bastante corriqueiro (vide o número 31.379), o banco não está de maneira nenhuma proibindo, regulando ou reprovando o uso e/ou custódia de Bitcoin. Ele até pode dar alguns indícios de como deverá se posicionar no futuro, mas para efeitos práticos, o comunicado cumpre seu papel de apenas “comunicar”.
Vejamos abaixo, em itálico, os trechos do comunicado e na sequência os meus comentários:
1. Considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (sociedade e instituições) nas denominadas moedas virtuais, o Banco Central do Brasil alerta que estas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor.
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É curioso como o banco trata o Bitcoin como moeda virtual. É cada vez mais claro que o Bitcoin não é uma moeda e, sim, uma nova classe de ativo, um ativo digital criptográfico. Neste trecho, é interessante notar que o banco trata a principal característica e inovação do Bitcoin, que é a de ser um ativo sem controle de entidade central, resistente à censura, como algo digno de um alerta.
Sobre não ser lastreado em ativo real de qualquer espécie, me pergunto se a moeda nacional de curso forçado no Brasil, o real, possui algum tipo de lastro? Até onde sei, o lastro do real é o próprio poder discricionário do Banco Central. No caso do Bitcoin, o lastro da moeda está na matemática, em seu código de programação que prevê uma regra rígida de inflação, que ao meu ver é muito diferente e melhor daquela praticada por vários, senão todos, os bancos centrais do mundo.
2. A compra e a guarda das denominadas moedas virtuais com finalidade especulativa estão sujeitas a riscos imponderáveis, incluindo, nesse caso, a possibilidade de perda de todo o capital investido, além da típica variação de seu preço. O armazenamento das moedas virtuais também apresenta o risco de o detentor desses ativos sofrer perdas patrimoniais.
Aqui, não tenho nada a comentar. Realmente, os riscos são imponderáveis e o armazenamento dos ativos possui risco considerável. Espero que ao longo do tempo, consigamos melhorar a forma como o detentor de Bitcoin guarda seus fundos. Desde que surgiu, em 2009, poucas inovações foram feitas na forma como guardamos nossos ativos digitais.
3. Destaca-se que as moedas virtuais, se utilizadas em atividades ilícitas, podem expor seus detentores a investigações conduzidas pelas autoridades públicas visando a apurar as responsabilidades penais e administrativas.
Isso parece, óbvio. Se você usar real brasileiro para atividades ilícitas, você será investigado pelas autoridades públicos. O mesmo se aplica a qualquer tecnologia monetária.
4. As empresas que negociam ou guardam as chamadas moedas virtuais em nome dos usuários, pessoas naturais ou jurídicas, não são reguladas, autorizadas ou supervisionadas pelo Banco Central do Brasil. Não há, no arcabouço legal e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional, dispositivo específico sobre moedas virtuais. O Banco Central do Brasil, particularmente, não regula nem supervisiona operações com moedas virtuais.
Apesar disso, existe uma discussão na Câmara dos Deputados que tenta criar um arcabouço regulatório para que o Banco Central passe a ser o regulador deste setor. As discussões ainda estão acontecendo e o desfecho talvez leve algum tempo para ocorrer.
5. A denominada moeda virtual não se confunde com a definição de moeda eletrônica de que trata a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação por meio de atos normativos editados pelo Banco Central do Brasil, conforme diretrizes do Conselho Monetário Nacional. Nos termos da definição constante nesse arcabouço regulatório consideram-se moeda eletrônica “os recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”. Moeda eletrônica, portanto, é um modo de expressão de créditos denominados em reais. Por sua vez, as chamadas moedas virtuais não são referenciadas em reais ou em outras moedas estabelecidas por governos soberanos.
Neste trecho, o banco esclarece que o Bitcoin não pode ser enquadrado na referida lei pois ele não é referenciado na moeda de curso legal do país. Bom, ele já disse isso em outro comunicado publicado em fevereiro de 2014. Nada de novo aqui.
6. É importante ressaltar que as operações com moedas virtuais e com outros instrumentos conexos que impliquem transferências internacionais referenciadas em moedas estrangeiras não afastam a obrigatoriedade de se observar as normas cambiais, em especial a realização de transações exclusivamente por meio de instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operar no mercado de câmbio.
Neste ponto, o Bacen diz que não é permitido realizar transferência internacional usando Bitcoin ou similares. Este ponto é reforçado no FAQ criado pelo banco. Diz o trecho: “transferências internacionais devem ser feitas por instituições autorizadas pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio, que devem observar as normas cambiais”. Apesar de não ser permitido, o Banco não diz como ele pretende fiscalizar e/ou coibir esse tipo de operação.
7. Embora as moedas virtuais tenham sido tema de debate internacional e de manifestações de autoridades monetárias e de outras autoridades públicas, não foi identificada, até a presente data, pelos organismos internacionais, a necessidade de regulamentação desses ativos. No Brasil, por enquanto, não se observam riscos relevantes para o Sistema Financeiro Nacional. Contudo, o Banco Central do Brasil permanece atento à evolução do uso das moedas virtuais, bem como acompanha as discussões nos foros internacionais sobre a matéria para fins de adoção de eventuais medidas, se for o caso, observadas as atribuições dos órgãos e das entidades competentes.
Aqui, o banco simplesmente finge não saber da existência de regulamentação específica no Japão desde abril de 2017. Vários outros países também estão prestes a soltar regular o mercado de compra, venda e uso de ativos digitais criptográficos.
8. Por fim, o Banco Central do Brasil afirma seu compromisso de apoiar as inovações financeiras, inclusive as baseadas em novas tecnologias que tornem o sistema financeiro mais seguro e eficiente.
Neste trecho, o Bacen basicamente afirma ser a favor da tecnologia do Blockchain, que ele vem estudando há algum tempo. A instituição, inclusive, já produziu um relatório sobre os seus desenvolvimentos e aprendizados com a tecnologia e também recentemente concedeu entrevista à mídia especializada de ativos digitais, na qual revela os próximos passos de seu grupo de trabalho sobre o tema.
Conclusão
O Banco Central do Brasil soltou um comunicado que soa como um “não diga que não lhe avisei”. Caso a suposta e tão falada bolha do Bitcoin eventualmente e magicamente estoure e milhares de pessoas comecem a chorar por ter perdido dinheiro, o banco quer ter a consciência tranquila de ter feito um comunicado sobre o tema. É isto que parece
Na minha visão, simplesmente não permitir operações internacionais que utilizam Bitcoin é o mesmo que não permitir o envio de emails internacionais.
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