Não é qualquer documento na história da humanidade que tem a capacidade de mudar o futuro. De fato, poucos conseguem levar a alcunha que o white paper do Bitcoin recebeu no título deste texto – e ela não é exagerada. É possível, guardadas as proporções, colocar o Bitcoin na mesma prateleira que a Bíblia, a Constituição dos Estados Unidos e outros papéis que mudaram os rumos do mundo.
Mas essa provavelmente não era a intenção de Satoshi Nakamoto quando, em 31 de outubro de 2008, publicou seu texto na famosa lista dos cypherpunks. Com apenas nove páginas e oito referências bibliográficas (sendo três dos mesmos autores), o documento foi visto com ceticismo.
Houve quem ignorou o white paper por achá-lo uma mera repetição de outras tentativas (fracassadas) de criar uma moeda digital e descentralizada. Só que essas nove páginas mudariam o curso da história econômica e tecnológica do mundo. Hoje, 17 anos depois, o Bitcoin está na carteira de milhões de pessoas e de mais de uma dezena de países.
E até mesmo a maior economia do mundo se rendeu às palavras de Satoshi: os EUA hoje acumulam mais de 325 mil BTC sob custódia. Trata-se do mesmo país que, assim como o criador do Bitcoin, legou ao mundo um pequeno documento que trouxe os ideais de liberdade para milhões de pessoas. Essa matéria é uma breve (ou nem tanto) homenagem aos 17 anos do white paper do Bitcoin trazendo curiosidades e um paralelo entre o texto de Satoshi e a Constituição dos EUA.

O surgimento do Bitcoin
Intitulado “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, o documento propunha uma ideia aparentemente simples, mas revolucionária: criar um sistema financeiro que permitisse transferências diretas entre pessoas, sem intermediários, usando um registro público e verificável.
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A ideia de fato era simples, tanto que outras pessoas já haviam tentado isso. Uma das referências de Satoshi em seu white paper foi Wei Dai, criador do sistema “b-money”, que tentou criar um padrão monetário digital. Só que todas as tentativas esbarravam no problema da confiança.
Esta, aliás, é uma palavra comum na literatura “satoshiana”. Quando analisamos a versão em inglês do white paper (que é a original), vemos que a palavra “trust” (confiança) aparece 14 vezes, refletindo o principal problema que Satoshi buscava resolver: a dependência da confiança em terceiros (como bancos e governos).
Para eliminar a confiança, Satoshi criou o mecanismo de consenso conhecido como Prova de Trabalho (PoW). Ele fazia com que o aumento do poder de processamento do Bitcoin desse segurança à rede. Não seria uma entidade centralizada, mas sim o conjunto entre mineradores (descobridores dos blocos) e nós (validadores dos blocos).
Entre os poucos que deram atenção ao Bitcoin estava Hal Finney, que logo se entusiasmou com a ideia. Finney, inclusive, deu vários conselhos para Satoshi que foram úteis na implementação do Bitcoin três meses depois do lançamento do white paper. Como resultado, Finney foi a primeira pessoa na história a receber uma transação de Bitcoin – Satoshi lhe envio 10 BTC logo após a rede entrar em operação.

“O Bitcoin representa uma nova forma de dinheiro e transformou o setor financeiro. Seus benefícios incluem maior segurança e transparência, que são garantidas pelo registro das transações na blockchain, além de acessibilidade, permitindo investimentos simples e sem necessidade de altos valores iniciais”, disse Michael Rihani, diretor do Nubank Cripto.
Curiosidades do white paper
O estilo de escrita de Satoshi é conciso, técnico e direto, lembrando artigos científicos da computação clássica. Ele também escreveu em um inglês com trejeitos britânicos, levando a especulações sobre a sua identidade. Nesse sentido, um dos nomes apontados como o verdadeiro Satoshi é Adam Back, citado nas referências do white paper.
Back criou um algoritmo chamado Hashcash, que era uma forma de prevenir o envio de emails em massa, os famosos (e, para muitas pessoas, irritantes) spams. Este projeto não foi adiante, mas serviu de inspiração para Satoshi desenvolver o mecanismo de PoW na rede do Bitcoin. Além disso Adam Back é britânico, o que aumentou as especulações sobre ele ser Satoshi, algo que Back sempre negou.
O texto evita adjetivos, opiniões ou apelos emocionais, e prima pela sua concisão. São 2.736 palavras, incluindo as oito referências – outro ponto conciso do documento. Desses oito documentos, oito foram criados por Scott Stornetta, um cientista de computação que criou vários projetos nos anos 1980, incluindo o registro de “carimbos de tempo” em documentos digitais.

Outra curiosidade é que o white paper não menciona “mineração” (mining), que é o processo de emissão de novos Bitcoins. Esse termo só se popularizou posteriormente nas discussões do fórum BitcoinTalk e faz alusão à mineração de ouro, já que o Bitcoin é considerado o “ouro digital“.
Já o termo “blockchain”, que é usado para designar a rede do Bitcoin, também não aparece nenhuma vez. Satoshi descreve a ideia como “a chain of blocks” (“uma cadeia de blocos”), e também timechain (cadeia de tempo). Isso porque Satoshi referencia a contagem de tempo da rede em termos de blocos, e não em segundos ou minutos.
Simples, mas revolucionários
Por falar em documentos concisos, nada melhor do que traçar um paralelo do white paper do Bitcoin com a Constituição dos EUA. Afinal ambos são documentos curtos, claros e de enorme durabilidade, escritos com uma filosofia de mínima interferência, mas que revolucionaram a história de seu tempo.
A principal comparação é sem dúvida o tamanho. Como vimos anteriormente, Satoshi criou o melhor dinheiro da história em um documento com menos de 3.000 palavras. Já os pais fundadores dos EUA tiveram o mesmo poder de síntese, criando a Constituição americana com apenas 4.543 palavras – um panfleto se compararmos com as mais de 64.000 palavras da Constituição brasileira, por exemplo.
Regente máxima dos EUA há mais de dois séculos, a Constituição sofreu pouquíssimas alterações ao longo do tempo. Em 236 anos, a Constituição americana sofreu 27 emendas (menos de uma a cada 10 anos). Em contrapartida, a Constituição brasileira, que tem 37 anos, já recebeu 136 emendas, o que dá mais de 3 por ano.

Já o white paper de Satoshi, com cerca de 3.100 palavras, permanece inalterado desde 2008. Ele não sofreu qualquer emenda, muito menos alteração nas regras básicas do protocolo. E apesar da evolução do ecossistema e da quantidade de atualizações, suas regras fundamentais continuam válidas e invioláveis.
Assim como a Constituição estabeleceu um sistema de pesos e contrapesos para limitar o poder do governo, o white paper define um modelo em que nenhum indivíduo ou instituição pode controlar a rede. Ambos os textos priorizam a descentralização do poder, a previsibilidade das regras e a confiança em estruturas e não em pessoas.
Conclusão
Em suma, o texto de Satoshi Nakamoto completa 17 anos, mas já podemos considerá-lo o documento mais importante do curto século XXI. Suas nove páginas mudaram a nossa relação com o dinheiro, a forma de medir valor e também o papel de governos na produção do bem mais importante da economia.
Assim como a Constituição dos EUA, vários projetos de criptomoedas tentaram copiar o Bitcoin e suas regras desde 2008. O Bitcoin inspirou novas abordagens para governança, economia, segurança e até filosofia política. Conversar com um bitcoiner que leu o white paper é entender como esse documento mudou a mentalidade das novas gerações.
Assim como a Constituição dos EUA sobreviveu a séculos de transformações mantendo sua essência, o documento de Satoshi continua sendo a base inalterada de um sistema global que busca a liberdade financeira e a soberania individual por meio do código.

