A Midas Trend iniciou seu processo de recuperação para pagar os investidores, após o dono da empresa supostamente perder todos os Bitcoins em um hack.
Porém, o plano não possui data limite, valores estipulados e nenhuma garantia. Um documento formal foi publicado no dia 29 de abril, e advogados falaram ao CriptoFácil sobre as cláusulas, tendo um deles dito que o documento “vale menos que papel de pão”.
O plano de recuperação da Midas Trend
Ao contrário do que tem afirmado Deivanir Santos, dono da Midas Trend, o plano de recuperação da empresa não inclui o pagamento dos rendimentos de seus investidores – nem mesmo “por último”, como ele afirma.
Dentre as cláusulas do plano, que funciona no modelo de adesão, estão propostas como:
“3.4 Os pagamentos ocorrerão de forma parcelada, sem previsão de datas e/ou valores mínimos estabelecidos.”
Ou seja, não há um plano de fato, uma vez que a ideia de um plano consistiria em estabelecer um sistema de pagamentos com datas e valores previstos. Na condição proposta acima, um investidor que depositou R$ 100 mil na Midas Trend pode levar uma vida inteira para receber o valor em parcelas de R$ 500,00.
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Outro ponto interessante do plano é:
“4.2. Ainda com o propósito de salvaguardar a viabilidade e a continuidade da empresa, caso haja mudança nas leis, mudança na economia do país, inflação ou outra situação que possa gerar prejuízos para a MIDAS TREND e/ou para o MULTIPLICADOR [nome dado ao investidor que concordar com o plano], a empresa promoverá imediatamente as alterações no Plano de Recuperação e as alterações contratuais que julgar necessárias, sem comunicar com antecedência, levando-as à averbação no mesmo domínio constante no instrumento modificado.”
Em outras palavras, a Midas Trend pode optar por simplesmente interromper os pagamentos por tempo indeterminado, sem avisar aos seus investidores. Essa é apenas uma das hipóteses, uma vez que a empresa poderá promover qualquer alteração, sem comunicar com antecedência.
Por fim, uma das cláusulas também afirma que o investidor renuncia ao recebimento dos rendimentos, sendo devida somente a raiz investida. Advogados afirmam que o plano é repleto de cláusulas abusivas
Advogados criticam o plano
O CriptoFácil falou com o advogado José Domingues da Fonseca, que afirmou que o plano não segue “padrões éticos”:
“Pelo princípio da boa-fé objetiva, preceito este que pauta tanto a negociação quanto a execução dos contratos, está claro que as condições estabelecidas neste documento não condizem com os padrões éticos medianos adotados pela sociedade. Portanto, além de desleais, algumas cláusulas do documento são abusivas;
Cabe destacar também, dentre outras cláusulas exóticas, que o foro eleito no ‘termo’ é difícil aplicação, uma vez que o documento será regido pelo CDC e, ainda que não fosse, os Tribunais brasileiros possuem jurisprudência pacífica afirmando que nos contratos de adesão (que me parece ser o caso), as cláusulas de eleição de foro devem ser relativizadas para que a parte mais vulnerável (no caso, a vítima credora da empresa), em uma eventual discussão, possa defender-se no foro de sua residência;
Igualmente, com o devido respeito, mas há um claro abuso de direito da MIDAS TREND, uma vez que ela, ao tentar normatizar regras de ‘flexibilização do termo’, acaba causando um enorme desequilíbrio contratual – porquanto ela pode tudo (leia-se, mudar o ‘contrato’ a qualquer tempo) e a vítima credora nada poderá;
Por fim, segundo o princípio da equivalência das prestações, o qual enuncia a necessidade de uma correlação entre as obrigações assumidas pelas partes, uma parte não pode onerar excessivamente a outra (ainda mais no presente caso, onde temos um contratante nitidamente frágil – a vítima credora). Logo, parece-me que as prestações estipuladas neste documento também poderão ser anuladas.”
Fonseca conclui:
“Sinceramente, um papel de pão possui mais valor do que este documento apresentado – uma vez que o primeiro, ao menos, serve para algo.”
O CriptoFácil falou ainda com o advogado Jorge Calazans, que representa investidores lesados pela Midas Trend, para obter um ponto de vista jurídico sobre o plano. Segundo Calazans:
“O contrato é a maneira segura de formalizar um acordo, e deve ser bom para quem oferece o serviço e para quem o contrata, pois constitui prova física que pode ser utilizada em juízo. Nele estão descritas as obrigações de cada um e os procedimentos a serem adotados em certas situações.
No que tange ao termo de adesão do plano de recuperação proposto pela Midas Trend, existem cláusulas que geram desvantagens e prejuízos para o aderente (cláusulas abusivas), chamado no termo de multiplicador em benefício da Midas Trend. O termo possui cláusulas que visam diminuir a responsabilidade do contratado, como a 3.4, que diz que os pagamentos ocorrerão de forma parcelada, sem previsão de datas e/ou valores mínimos estabelecidos. Além da acima mencionada, o presente instrumento possui cláusula que permitem modificação do contrato sem autorização do aderente; o que também caracteriza a mesma como abusiva. Outra situação que chama a atenção é a cláusula 5.2 do presente plano de recuperação que elenca o quanto segue:
Ao aceitar o presente Termo e aderir ao Plano de Recuperação, o MULTIPLICADOR renúncia expressamente o recebimento de possíveis rendimentos e/ou quaisquer outros valores eventualmente devidos, não contemplados no Plano de Recuperação, bem como se compromete a desistir de quaisquer ações na esfera administrativa e/ou judicial já interpostas ou outras medidas com vistas a receber os valores eventualmente devidos, arcando com as respectivas despesas processuais.
A presente cláusula obriga o aderente ao plano de recuperação, sendo a mesma uma forma do mesmo renunciar seus direitos, mesmo que não tenha recebido, haja visto que o presente termo sequer estipulou datas, prazos e valores de parcelas.”
Calazans conclui afirmando que, tendo em vista que a Midas Trend não possui registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o contrato de adesão fere o artigo 7º da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
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