Muito se fala por aí sobre como o blockchain tem potencial para revolucionar vários aspectos das nossas vidas, da nossa relação com o dinheiro e meios de pagamento até a própria estrutura do Estado e da política. Dentre eles, um me desperta especial atenção: a questão da identidade.
Antes de falarmos sobre como o blockchain poderia ser útil nesse cenário, precisamos definir melhor o que queremos dizer por “questão da identidade”. Eu vejo esse problema em pelo menos três níveis: global, institucional e individual, sendo que cada um deles possui um desafio-chave diferente. Nesse post, vou falar sobre o primeiro e mais básico deles, o nível global. Vamos lá?
Primeiro nível: o problema global da identidade
Atualmente, quase 1 bilhão de pessoas não possui documento formal que prove a sua identidade – ou seja, uma em cada sete pessoas no planeta não “existe” oficialmente. Por mais que esse dado possa parecer distante da nossa realidade, ele não é. Segundo o Banco Mundial, 93% dos brasileiros possuem documento de identidade – o que quer dizer que cerca de 7% da nossa população é excluída. Ainda que a situação não seja tão ruim quanto na Nigéria, por exemplo, onde apenas 28% das pessoas possuem documentos oficiais, 7% é um número grande quando consideramos o tamanho do Brasil.
Isso é importante porque, ao serem “invisíveis” aos olhos do Estado, essas pessoas não têm acesso aos serviços mais básicos, como saúde e educação, e se tornam extremamente vulneráveis a crimes como tráfico de pessoas, exploração sexual e trabalhos forçados. É impossível falarmos de desenvolvimento social e econômico enquanto milhões de pessoas não tiverem garantidos os seus direitos fundamentais.
A identidade é uma chave tão crucial de acesso que é inclusive uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. No ODS 16, sobre paz, justiça e instituições eficazes, os Estados se comprometeram a garantir, até 2030, identidade para todos.
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Criando identidades digitais com o blockchain
Um dos caminhos mais apontados para resolvermos esse problema é a criação de identidades digitais, que já existem em diversos países. Na Estônia, por exemplo, os cidadãos podem ter acesso a vários serviços digitais por meio do e-ID, que facilita a autenticação, armazenamento e compartilhamento de dados entre indivíduos e quase mil instituições públicas e privadas. Outro caso famoso é o da Índia, cujo registro de 1.2 bilhão de pessoas inclui até mesmo informações biométricas e distribuição de recursos financeiros.
Só que para ser de fato eficiente, uma identidade digital deve ser criada obedecendo a um conjunto de boas práticas, possuindo características como:
- poder ser verificada remotamente por meios digitais (idealmente com baixo custo);
- possuir alto grau de certeza de que apresenta dados corretos;
- ser única, com cada indivíduo possuindo apenas uma identidade e com todas as bases registradas apontando para o mesmo detentor;
- ser estabelecida com o consentimento do detentor e dando-lhe controle sobre como seus dados serão utilizados.
A boa notícia é que a tecnologia blockchain pode ser uma aliada que atende a todos esses requisitos. Com ela, não só as identidades digitais podem ser verificadas remotamente, como isso pode ser feito por uma rede descentralizada de validadores, garantindo ainda mais certeza ao processo. Embora o blockchain sozinho não seja capaz de garantir que as informações estejam corretas de primeira (afinal de contas, alguém pode, por descuido ou más intenções, inserir uma informação errada no sistema), em uma rede descentralizada tem-se mais chances de cruzar dados e se descobrir eventuais falhas. Além disso, ela também atende ao requisito de cada pessoa possua apenas uma identidade através da estrutura de wallets, que dão ao usuário controle sobre seus dados – temas que vou explicar em mais detalhes no próximo post.
Conclusão
O acesso a documentos de identidade formais é essencial para a cidadania e para garantir direitos, e o blockchain tem se mostrado cada vez mais como uma tecnologia que pode ajudar nisso. Por essa razão, várias iniciativas usando essa nova base de dados já estão em andamento.
A ONU está rodando desde 2017 dois projetos piloto para o provimento de identidade para pessoas vulneráveis. Um deles, o Building Blocks do World Food Programme, distribui vouchers para que refugiados sírios possam comprar alimentos e outros produtos no campo de Azraq, na Jordânia. Segundo o diretor do programa, foi feita uma economia de mais de 98% na parte administrativa quando os vários intermediários do processo foram eliminados e ajuda humanitária foi distribuída diretamente para as pessoas por meio da sua identidade digital.
Outro programa interessante tem por objetivo registrar crianças abaixo de cinco anos de idade e que morem em locais de risco, como a Moldávia, país do leste europeu. A iniciativa tenta reduzir os índices de tráfico de crianças na região.
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