A afirmação “a blockchain irá mudar o mundo” foi dita por tantas vezes que costuma ser ridicularizada por várias pessoas que tendem a não gostar ou a serem contrárias às criptomoedas, seja por razões ideológicas, seja por acharem que o hype em torno das moedas digitais não passa de exagero.
E esses detratores podem até mesmo estar certos. De fato, pode haver um grande exagero em achar que uma tecnologia descentralizada e que realiza registros públicos e imutáveis é a solução para todo e qualquer problema mundial.
Na verdade, é bem provável que os maiores impactos para o uso dessa tecnologia estejam concentrados fora do eixo dos países considerados desenvolvidos. E foi com esse intuito que, no mês passado, foi realizada a quarta edição da conferência Blockchain Africa, em Johannesburgo, África do Sul.
O potencial africano
Contando com o apoio de grandes empresas como IBM e Microsoft, a Blockchain África foi fundada em 2014 e tem como objetivo discutir as potenciais aplicações da tecnologia por trás do Bitcoin no continente mais pobre do mundo.
Ainda hoje, a maioria dos estados africanos ainda são considerados países em desenvolvimento, cujo desenvolvimentos foram retidos pelos legados do colonialismo, que resultaram em problemas como conflitos armados, corrupção e pobreza. Mas o ecossistema Blockchain já está começando a ganhar força em muitos países e tem o potencial de causar um enorme impacto nas economias e sociedades africanas.
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Casos como as eleições ocorridas em Serra Leoa, as primeiras no mundo que se utilizaram da tecnologia Blockchain, ou do uso do Bitcoin para serviços de remessas internacionais (como mostra o curta Bitcoin In Uganda) mostram que a adoção em massa no continente está apenas começando. O desenvolvimento de hubs e pontos de pesquisa em vários países traz uma mostra do cenário que poderá se manifestar no continente nos próximos anos.
Vamos conhecer algumas dessas iniciativas:
Aceleradoras de negócios
O Quênia desponta como um dos países africanos com maior receptividade ao uso de tecnologias. O sistema de transferência de fundos MPesa surgiu para compensar a falta de acesso ao sistema bancário no país e logo se transformou em uma referência para a região. E lá, a tecnologia Blockchain também encontrou espaço para se desenvolver.
O BitHub Africa foi uma das instituições que ocupou tais espaços. Com sede em Nairóbi, capital do Quênia, o BitHub é um acelerador de blockchain para startups locais fundado em dezembro de 2015. A organização fornece serviços de consultoria para organizações interessadas em implantar soluções de blockchain na África e no Oriente Médio e também ajuda startups locais a entrar em ação. A organização tem um foco intenso na incubação de startups de microempréstimos. Também se envolve com reguladores locais para defender a adoção de blockchain na política de tecnologia do Quênia e para regulamentos favoráveis às ICOs e criptomoedas.
Na África do Sul, nação mais rica do continente, o foco é no treinamento de pessoas que possam trabalhar com a tecnologia. Esse é o objetivo da The Blockchain Academy (não confundir com a Blockchain Academy brasileira), sediada na Cidade do Cabo. A organização fornece treinamento voltado para startups que desejam conhecer mais sobre criptomoedas e Blockchain, além de prestar consultoria para negócios locais sobre qual a melhor forma de implantar a tecnologia em suas operações.
Países pobres, iniciativas ricas
Outro país que está no grupo dos que já estudam os benefícios da blockchain é a Nigéria. Em novembro de 2017, foi realizada a primeira edição da Nigeria Blockchain Alliance Conference, na cidade de Lagos. Segundo a Bitcoin Africa, a comunidade da Nigéria tem experimentado um crescimento considerável nos últimos dois anos, vendo o lançamento de uma série de novas startups que trabalham com a tecnologia, e visa informar e educar os nigerianos sobre os seus benefícios potenciais. Para completar, a startup Blockchain SureRemit, sediada no país, acaba de levantar a maior ICO africana até hoje – US$8 milhões. A empresa tem como proposta a criação de uma plataforma de remessa de dinheiro.
Por fim, mesmo países que estão há anos fustigados por guerras e conflitos internos vêem o crescimento de uma comunidade de estudos em meio aos destroços e bombas. Este é o caso do Sudão, nação que há 10 anos foi dividida por um conflito civil. Desde 2015 começaram a surgir pequenos grupos que realizam encontros no país para discutir blockchain e suas aplicações. Esses grupos cresceram em comunidades maiores e mais ativas graças ao poder coeso dos grupos de mídia social (em particular o Facebook).
Várias empresas relacionadas à blockchain também começaram a criar raízes no país, incluindo a Codexi, empresa de desenvolvimento de Blockchain, e a SG Mining, empresa de mineração de ouro baseada em Blockchain, que fornece lastro de sua criptomoeda com ativos de ouro.
Resolvendo problemas reais
Tais iniciativas passam longe do furor especulativo que marcou o mercado de criptomoedas nos últimos meses. Elas estão focadas em resolver problemas reais e causar um grande impacto social nas comunidades locais.
Vejamos, de forma resumida, dois dos principais problemas que a tecnologia blockchain está ajudando a enfrentar.
Combate à corrupção: Uma das principais vantagens da tecnologia blockchain é o fato dela ser descentralizada e transparente, levando a muitos casos de uso no combate aos sistemas políticos corruptos e a fraudes em eleições. O caso de Serra Leoa traz um exemplo prático disso.
Guerra contra a inflação: países africanos tendem a sofrer com uma péssima gestão estatal em termos de qualidade da moeda local. O caso mais emblemático disso foi o Zimbábue, que há 10 anos chegou a emitir uma nota de 100 trilhões de dólares zimbabuanos – a qual mal conseguia comprar um ovo. Como consequência, a demanda pelo Bitcoin no país disparou, chegando a cruzar a barreira dos US$10 mil antes mesmo do que no resto do mundo. O Bitcoin, desta forma, pode servir como uma confiável reserva de valor em países marcados por uma moeda desvalorizada e uma economia em desarranjo.
Conclusão
A tecnologia blockchain não salvará o mundo, tampouco possui soluções para todos os problemas existentes. No entanto, negligenciar o seu potencial para a solução de problemas específicos pode significar abrir mão de propostas reais, feitas para resolver problemas reais.
Levando em conta o entusiasmo e o surgimento de boas iniciativas em um continente que era marcado pelas resoluções de disputas via armas, pode-se dizer que a blockchain já está ajudando a salvar parte desse mundo.