Imagine a seguinte situação: você tem um celular antigo, cuja bateria não aguenta duas horas ligada. De repente, um vídeo aparece no seu feed do YouTube, no qual uma moça de beleza estonteante e aparência confiável faz a seguinte afirmação:
“Eu fiz a bateria do meu celular aumentar de 30 minutos de autonomia para mais de 12 horas apenas com uma carga!”
Você certamente pensaria: vou repetir o método dela e, dessa forma, terei o mesmo resultado. Meu celular vai ficar novinho em folha e minha dor de cabeça acabará.
Porém, a moça do vídeo esqueceu de avisar a parte difícil do processo: ter que ajustar configurações, desativar apps e funções que consomem muita bateria, adicionar recursos mais econômicos no celular e, em um caso mais extremo, a possível necessidade de trocar a bateria. Sem saber disso, você faz a recarga e, frustrado(a), percebe que seu celular descarregou 70 minutos depois.
Agora, imagine se essa falta de informações completas sobre um tema envolver, ao invés de uma bateria de celular, as economias que você juntou durante boa parte da sua vida. Ao fazer isso, você descobrirá o verdadeiro problema do já famoso “vídeo da Bettina”.
Marketing agressivo e processos: a história da Empiricus
Se você chegou a esse texto ao pesquisar o nome Bettina Rudolph, não foi o único. O nome da jovem ganhou enorme destaque na internet e até na mídia tradicional.
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Bettina ficou famosa por meio de uma propaganda divulgada pela Empiricus, empresa que se autoproclama a maior casa de análise de investimentos do Brasil. No vídeo em questão, Bettina afirma que conseguiu “transformar R$1.500,00 em R$1 milhão em três anos”. Um feito notável, sem dúvidas.
A propaganda e a jovem imediatamente viraram o assunto do momento. Muitas pessoas questionaram o caráter apelativo do anúncio – algo que já virou marca da Empiricus, que até pouco tempo divulgava “a estratégia capaz de transformar R$1.500 em mais de R$227 mil em apenas um mês”. Perto do case Bettina, porém, a “estratégia” acima é um completo fracasso.
O marketing agressivo, utilizado para chamar a atenção aos seus produtos, é endossado pelos próprios sócios da empresa. De acordo com Felipe Miranda (que também já apareceu em várias propagandas), a estratégia faz parte da política de vendas da empresa. Se, por um lado, o sucesso comercial é um fato – a empresa possui 330 mil assinantes – as campanhas trouxeram a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outros órgãos reguladores financeiros do país.
No final de 2017, três analistas da Empiricus (incluindo Felipe Miranda) tiveram seus registros suspensos por 30 dias pela Associação de Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec). O motivo? o envio de três e-mails, inclusive um com a estratégia citada acima.
Na ocasião, a Apimec afirmou que os e-mails se configuravam como “propaganda enganosa, por induzirem o investidor a acreditar que o retorno dos investimentos é garantido ou não alertar de forma clara sobre os riscos de perda envolvidos”. No mercado financeiro, cabe ressaltar, não existe rentabilidade garantida – o mesmo vale para criptomoedas, aliás.
Dois anos após a notificação da Apimec, a Empiricus caiu novamente na teia das propagandas enganosas: o vídeo da Bettina foi alvo do Procon de São Paulo, que deu à empresa 48 horas para comprovar a veracidade das informações divulgadas, sob pena de multa.
Ou seja, a Empiricus terá que provar que é possível transformar R$1.500,00 em R$1 milhão em três anos. Antes disso, porém, vejamos a relação da Empiricus com o nosso ativo favorito: o Bitcoin.
Relação com criptomoedas
Falando sobre criptomoedas, a Empiricus tornou-se famosa pela sua “virada de opinião” em relação ao Bitcoin. Em 2017, antes do grande pico de alta, a empresa enviou um e-mail aos assinantes de sua newsletter com o título: “Bitcoin? Não recomendo para ninguém“. Meses depois, a empresa não apenas se retratou, como começou a comercializar produtos relacionados a criptoativos.
Atualmente, a empresa apresenta dois produtos relacionados a criptoativos em seu site. O primeiro deles, o Crypto Alert traz “orientações para diversificar a carteira entre ativos tradicionais e moedas digitais”. Já o relatório Exponencial Coins é mais completo e traz “uma carteira balanceada com moedas e outros ativos digitais com potencial de valorização exponencial”.
A empresa afirma que essa carteira “combina os preceitos de análise gráfica (como o timing de execução das ordens) e análise fundamentalista para identificar os maiores potenciais de valorização dos ativos”.
Ambos relatórios registram diversas reclamações no site Reclame Aqui, assim como a maioria dos produtos da empresa. A entrada da Empiricus nas criptomoedas, aliás, começou com um grande fracasso: a Chronologic, criptomoeda indicada pela empresa e que posteriormente virou piada na comunidade brasileira.
Como Bettina alcançou o sucesso
O exemplo do celular, que vimos no início do texto, ilustra o alto risco tomado por alguém que segue uma dica sem conferir todos os detalhes de algo. E é esse risco que os clientes da Empiricus assumem ao confiar apenas nas propagandas da empresa.
A estratégia aqui é algo conhecido como marketing de guerrilha: colocar uma primeira informação que chame a atenção para, em seguida, vender um produto com dicas mais completas.
No caso do “milagre” de transformar R$1.500,00 em R$1 milhão em três anos, a própria Bettina revelou detalhes que não entraram no famigerado vídeo. Ela afirmou que o dinheiro citado foi, na verdade, o valor inicial que ela tinha ao investir. O resto do patrimônio foi construído com aportes periódicos – incluindo uma poupança de R$35 mil feita pelo pai dela.
Além disso, Bettina possui um padrão de vida acima da grande maioria dos brasileiros (e ela mesmo afirmou isso em uma entrevista à Folha de São Paulo). Ela não tinha contas a pagar ou casa para manter, e podia reservar altas porções do seu salário para investir.
Esse detalhe não contado, mas extremamente importante, mostra dois fatores. Primeiro, um aporte único não é garantia de uma multiplicação rápida de um investimento. O que realmente faz a diferença é o valor investido todos os meses.
Segundo, a propaganda da Bettina escancara a irresponsabilidade de fazer um marketing de meias-palavras. A agressividade das propagandas da Empiricus podem gerar clientes, mas no longo prazo contribuem para diminuir a credibilidade da empresa. De acordo com o site Reclame Aqui, a Empiricus possui uma média de reputação de 6.6, abaixo de outras casas de análise, como a Inversa Publicações (7.5) e a Suno Research (8.8).
Por fim, essa abordagem pode contribuir para afastar investidores do mercado de capitais. Ao criar materiais voltados para estratégias que não são acessíveis ao investidor mais humilde, a empresa contribui, ainda que indiretamente, para a manutenção da imagem da bolsa de valores como um “cassino” de apostas, onde é necessário uma tacada de sorte para se tornar rico.
O verdadeiro segredo da riqueza
Por isso, aqui vai o segredo da riqueza: escolher bons ativos, fazer aportes constantes e ter paciência. Não existe segredo nem estratégia multiplicadora. Simples, sem meias-palavras ou expressões chocantes.
E a melhor parte disso é que ninguém precisa ter o padrão de vida da Bettina para alcançar isso. Na bolsa, investir no longo prazo é algo possível para qualquer pessoa, com qualquer valor. A construção do patrimônio se faz com paciência, aplicações regulares e a escolha de boas empresas – ou bons ativos, como o Bitcoin.
E você, caro leitor, não precisa pagar nada para ler esse texto e seguir essa dica, tampouco precisa esperar torturantes cinco segundos de uma propaganda parcialmente enganosa antes de ver seu vídeo favorito no YouTube.
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