Um documento (que também pode ser conferido no site com o numero: 1047962-71.2015.8.26.0100 e o Código: 113BCD0) obtido pelo Criptomoedas Fácil mostra uma ação judicial que vem sendo conduzida no Brasil e envolve os primórdios do Bitcon no país. O caso é emblemático e engloba diversos personagens históricos do mercado de criptomoedas nacional. Quando a ação foi iniciada, o preço do Bitcoin estava em torno de R$835,00.
No processo, que é conduzido pelo escritório de advocacia Opice Blum, escritório especializado em tecnologia, Conceição Aparecida de Camargo Martins, Thiago Camargo Martins Cordeiros, Dirce Gracy Martins Cordeiro e Elisabete Martins pedem uma indenização de 2182.90880751 Bitcoins intimando a exchange brasileira Mercado Bitcoin e Leandro Marciano César como réus no caso.
Entenda o Caso
Segundo o processo, em 2011 César havia criado o domínio que, mais tarde, em 2013, foi vendido para novos sócios e deu origem à exchange de criptomoedas Mercado Bitcoin. César foi um dos primeiros a aderir ao Bitcoin no Brasil e teria ganho respeito e notoriedade entre a comunidade de criptomoedas nacional. Assim, atraiu diversas pessoas para um suposto fundo de investimento chamado “Grupo de Investimento Bitcoin [Bitcoin Rain]“, criado em 2011, que estava sendo conduzindo por ele e prometia lucros exponenciais (até 12% ao mês), revelando-se, depois de um tempo, um esquema ponzi que prejudicou diversas pessoas, incluindo Thiago Camargo Martins, autor do processo.
Em agosto de 2012, a Comissão de Valores Mobiliários do Brasil (CVM) determinou “a imediata suspensão da veiculação no Brasil de qualquer oferta de investimento em fundo de investimento ou em qualquer outro valor mobiliário por Leandro Marciano César. Ainda foi estabelecido, por meio da Deliberação CVM nº 680/12, que ele não está autorizado pela Autarquia a exercer quaisquer atividades no mercado de valores mobiliários e que, por não preencher os requisitos previstos na regulamentação da CVM, não pode ofertar publicamente, constituir, nem administrar fundo de investimento ou qualquer outro tipo de investimento em valores mobiliários”, disse a autarquia.
No entanto, isso não impediu César de continuar suas atividades na Bitcoin Rain, até que em janeiro de 2013, mesmo com o impedimento da CVM, Thiago Camargo, juntamente com as demais pessoas incluídas na ação, realizam um investimento na plataforma de César.
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De acordo com o portal “Defenda seu Dinheiro”, as porcentagens “prometidas” por Leandro eram irracionais, pois “[operações de arbitragem internacional] são operações extremamente competitivas e de baixíssimo retorno, insuficiente para pagar as taxas de juros que ele estava pagando (segundo especialistas, com o preço do Bitcoin na época, os retornos seriam possíveis). Ele [César] conseguiu atrair mais de 300 investidores, que depositaram com ele mais de 15 mil Bitcoins, que podem ser vistos neste endereço.
“Assim, em 18 de janeiro de 2013, os autores abriram quatro contas, conforme indicado a seguir, sendo certo que o réu César lhes atribuiu os endereços de Bitcoin (analogamente ao procedimento realizado por bancos, quando fornecem os dados da conta corrente ao cliente): viverthi (Dirce Gracy Martins Cordeiro) – contas 1 e 2; coapmar (Conceição A. de C. Martins) – conta 1; elismar (Elisabete Martins) conta 1 e 2 e thiagocmc (Thiago de Camargo Martins Cordeiros) conta 1. (…) Ainda em janeiro de 2013, convencidos de que os réus seriam confiáveis, os autores fizeram as primeiras injeções financeiras no Grupo de Investimento, no montante aproximado de 2.246,7811916 Bitcoins”, diz o processo, que ainda tramita em Primeira Instância.
BitcoinRain e Mercado Bitcoin
Leandro César foi o criador do grupo de investimento BitcoinRain e da exchange Mercado Bitcoin mas, embora os domínios tenham sido criados e administrados por ele, os usuários da Mercado Bitcoin não eram, necessariamente, investidores do BitcoinRain, embora o grupo de investimento também armazenasse, segundo a acusação, seus Bitcoins em uma wallet na exchange. Naquela altura, César era o único dono do site Mercado Bitcoin.
Mais tarde, naquele mesmo ano, após um suposto ataque hacker ter atingido a plataforma de negociação, que até então era apenas um site de internet (não constituído como uma empresa registrada), Gustavo Dornellas Tabbal Chamati, Rodrigo Trindade Batista e Marcos Antônio Monteiro Carvalho fizeram uma oferta de compra exclusiva do site e então criaram a empresa Mercado Bitcoin Serviços Digitais LTDA.
A exchange Mercado Bitcoin Serviços Digitais LTDA foi constituída como empresa apenas em 28/05/2013 (dois meses depois do ataque), tendo como sócios César, Batista e Dornelas. Finalmente, em dezembro de 2013, César deixa de ser sócio da empresa Mercado Bitcoin. Vale ressaltar que o acordo previa apenas a aquisição do site e não do fundo BitcoinRain.
Falha de segurança na Mercado Bitcoin administrada por César
Em 28 de março de 2013, César alegou que as suas plataformas supostamente haviam sofrido uma falha de segurança que teria impactado todos os saldos da Mercado Bitcoin e também do fundo BitcoinRain. Os hackers teriam se aproveitado de uma falha em uma funcionalidade chamada “redeem code” que estava ligada à exchange MtGox (mesmo que usuários tenham alertado que o Gox iria cancelar este recurso).
Diversos usuários da BitcoinRain, ao longo do tempo, passaram a desconfiar das alegações de César e criaram um grupo com os prejudicados. O caso chegou até mesmo a ser notícia no Jornal Folha de São Paulo, que citou o empresário Andre Horta, fundador da exchange Bitcointoyou, e que teria 40 Bitcoins investidos no BitcoinRain.
Pouco tempo depois (cerca de três meses), César anunciou a venda e posterior saída da sociedade com Rodrigo Batista e Gustavo Dornelas (atuais sócios da Mercado Bitcoin). Na ocasião, um post informava que o desejo dos novos sócios, que haviam comprado apenas o site Mercado Bitcoin, era o de “continuar com o objetivo de popularizar e viabilizar ao máximo o Bitcoin no Brasil”. Ao mesmo tempo, como garantia de transparência, informava que todos os valores que estavam na plataforma Mercado Bitcoin (e não no BitcoinRain) seriam devolvidos, em reais, aos clientes e que uma série de medidas de segurança, infraestrutura e assessoria jurídica seriam tomadas para impedir novos problemas. Vale destacar que desde então, a Mercado Bitcoin jamais voltou a sofrer com nenhum ataque hacker.
No entanto, o processo alega que sobre a nova administração, “A Mercado Bitcoin voltou ao mercado com força total, apresentando um volume muito maior que o anterior, sendo certo que passou a vender Bitcoins a um valor inferior ao que estava sendo praticado”, diz o processo.
Em 2014, a agência de notícias norte-americana Coindesk fez uma ampla reportagem sobre a adoção do Bitcoin no Brasil e citou o caso do BitcoinRain e como os novos administradores da Mercado Bitcoin (Batista e Dornelas) investiram para apagar a imagem negativa da empresa no incentivo à adoção da criptomoeda no Brasil.
Devolução dos fundos
Como mostra o post que César fez no Bitcoin Talk, os novos sócios Batista e Dornelas, além de assumir a Mercado Bitcoin e constituir uma empresa (até então, o site não era uma empresa) iriam anunciar um plano de devolução do saldo de todos os usuários da exchange (não é mencionado o site nem os fundos do Bitcoin Rain). O que de fato foi feito.
No entanto, segundo um parecer anexado ao processo feito por técnicos da CBP, os valores do BitcoinRain teriam sido utilizados para possibilitar a reabertura da Mercado Bitcoin.
“Foi então anunciado que todos os valores depositados na MERCADO BITCOIN haviam sido devolvidos, e o site continua operando até hoje. Ora, já foi mencionado que os valores em caixa da MERCADO BITCOIN eram pequenos, apenas relativos à especulação de compra e venda de Bitcoin por alguns poucos usuários do site. Assim, devolver esses valores não era um problema. Principalmente quando o valor principal que foi roubado (…) nunca foi devolvido, tendo assim, efetivamente, servido como caixa para a reabertura da MERCADO BITCOIN. Ou seja, foi aplicado um esquema ponzi em cima do esquema ponzi!”, diz o documento, que também inclui uma transação feita por Leandro César para Mariston Henrique Hanzen, testemunha no processo e que supostamente ligam César à Mercado Bitcoin, já com a nova sociedade e o novo site.
Andamento do processo
Atualmente, não há qualquer decisão sobre o mérito da causa, ou seja, qualquer condenação sobre a responsabilidade dos réus no caso. O Tribunal de Justiça, por meio da Juíza de direito Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, nomeou um perito, José Pio Tamassia Santos, ainda no ano passado, com a finalidade de produzir uma prova pericial sobre os casos relatados.
“A verificação das condutas cibernéticas de transferência de valores e investimentos, a eventual retenção ilícita e veracidade acerca da ocorrência de fraude praticada por terceiros depende essencialmente da prova pericial”, diz a decisão, estipulando que os honorários do perito devem ser rateados entre as partes (no caso réus e requerentes).
No entanto, apesar do perito ter sido nomeado há mais de seis meses, não houve, até o momento, qualquer atividade pericial executada, visto que um pedido de impedimento paralisou as atividades até a decisão final sobre a manutenção do perito indicado pela Juiza Daniela Pazzeto que manteve sua decisão e indeferiu a petição pedindo a suspensão de José Pio Tamassia.
“Vistos, Indefiro o pedido de reconhecimento de impedimento (fls. 873/877), eis que evidente que o I. Perito manteve vínculo com a Escola Paulista de Direito e não com os demais prepostos que lhes prestam serviços de natureza acadêmica, não vislumbrando a ocorrência do disposto no artigo 144, VII do NCPC. Por óbvio, ainda que procuradores do escritório que representem os autores integrem o corpo docente e a coordenação do curso da área de Direito Eletrônico, o I. Perito deixou claro em manifestação posterior acerca da inexistência de qualquer vínculo que possa ensejar suspeição de sua atuação. O relacionamento acadêmico, de per si, não enseja hipótese de impedimento e, somente a de suspeição, quando comprovada a existência robusta de elementos que indiquem para as hipóteses consagradas no artigo 145 do NCPC, o que não ocorre no caso em comento diante dos esclarecimentos periciais lançados às fls. 895/898. Ante o exposto, face a complexidade da perícia, fixo os honorários periciais provisórios em R$ 20.000,00. Intimem-se as partes a fim de que efetuem o depósito dos honorários no prazo de 30 (trinta) dias e, após o depósito integral, intime-se o I. Perito a fim de que dê inicio aos trabalhos periciais. Int.”, diz a decisão.
Um Embargo de Declaração sobre o perito também foi negado no dia 04 de fevereiro deste ano.
Posição de Leandro César
Embora o processo ainda esteja em fase de perícia e portanto não exista qualquer decisão sobre o mérito do caso, o Criptomoedas Fácil tentou localizar, sem sucesso, o réu Leandro César para falar sobre a acusação e discutir fatos anteriores à fundação, como empresa, da exchange Mercado Bitcoin, no entanto, não tivemos sucesso.
Segundo uma fonte próxima, que acompanha o processo mas não quis se identificar, a fraude estava restrita ao BitcoinRain e não ao site e ocorreu antes da fundação da empresa Mercado Bitcoin, envolvendo um conflito entre pessoas não relacionadas à atuação da empresa.
O Criptomoedas Fácil procurou a exchange Mercado Bitcoin que respondeu: “Mercado Bitcoin não comenta processos em andamento.”
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