08 de março de 1857. Um domingo que parecia comum na agitada cidade de Nova York (EUA). Ninguém imaginaria que aquele dia seria “coroado” com um evento que ficou marcado tanto pela sua relevância histórica quanto pela crueldade do ato que ocorreu e m uma das maiores cidades da América.
Em uma indústria têxtil da cidade, um grupo de mulheres iniciou um protesto contra as extensivas jornadas de trabalho exigidas pelos donos da fábrica, que poderiam chegar a até 16 horas diárias.
Embora o protesto tenha sido pacífico, a reação dos donos das fábricas e da polícia de Nova York foi inflamada no sentido literal do termo. O protesto resultou em 129 mulheres mortas. A barbaridade do ato fez com que meio século depois, em 1911, o dia 08 de março ficasse marcado como o Dia Internacional da Mulher, data celebrada até os dias de hoje.
No entanto, o dia 08 de março certamente transcende qualquer tipo de homenagem, festas de escritório ou promoções em lojas de maquiagem. Ele deve ser encarado com um lembrete: a participação feminina em diversas áreas ainda deixa a desejar.
Avanços a passos lentos
Apesar de muitos avanços terem ocorrido nos mais de 100 anos após o protesto de Nova York, as mulheres ainda são bastante subrepresentadas em diversas áreas profissionais. Em áreas como política, negócios e tecnologia isso mostra-se ainda mais evidente.
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De acordo com o novo Global Gender Gap Report, relatório elaborado pelo Fórum Econômico Mundial que pesquisou 149 países, apenas 17 deles (11,4%) possuem uma mulher como chefe de estado.
No mundo dos negócios, a proporção é ainda menor. Um levantamento da revista Forbes mostrou que da lista de empresas Fortune 500, apenas 24 delas (4,8%) têm mulheres como CEOs ou líderes. O título da matéria da Forbes, Where Did All The Female CEOs Go? (Para Onde Foram Todas as CEOs Mulheres?) é muito sugestivo.
Na área de tecnologia, a situação é um pouco melhor, embora longe do ideal: 18,8% dos empregados do setor são mulheres e 17,7% das startups têm uma mulher como fundadora. Mas quando falamos de blockchain, os números voltam pra baixo: apenas 7% das investidoras em criptomoedas são mulheres, enquanto 8,5% das startups possuem uma mulher como CEO.
Mulheres que fazem a diferença
Existem diversos motivos que levam as mulheres a ingressarem em menor quantidade no setor de tecnologia em geral, e no mercado de blockchain em particular.
Não caberá nesse texto discutir todos eles. Ao invés disso, resolvemos homenagear as mulheres que atuam no setor trazendo a visão de três delas que, através de suas empresas, fizeram – e fazem – a diferença na comunidade de blockchain e criptomoedas no Brasil.
Ingrid Barth, Juliana Assad e Miriam Oshiro possuem extensos currículos dentro e fora da área de blockchain e gentilmente aceitaram participar desse especial contando suas visões sobre o mercado, a participação feminina e as perspectivas para 2019.
Apresentação
Ingrid Barth estudou economia e engenharia civil, MBA em empreendedorismo e inovação pela FIA-USP, e ganhou prêmio no Fórum de Empreendedorismo da FEA-USP em 2016. Tem especialização em serviços de tesouraria em Nova York e Chicago (JPMorgan University) e especialização em inovação e design thinking (HiveLab SP).
Suas especializações a levaram a trabalhar em empresas como a exchange de criptomoedas Foxbit e a startup Neon Pagamentos, até que resolveu criar a sua própria empresa. O resultado foi a Cosmos, empresa que realiza projetos em blockchain para áreas como usabilidade e escalabilidade.
Ingrid Barth
Juliana Assad é sócia-fundadora da CoinWISE, startup focada na criação de soluções de armazenamento e pagamento com criptomoedas sediada no Recife (PE). Com PhD em Ciências da Computação, ela já passou por empresas como a IBM, Itaú e a gestora de ativos Rio Bravo. Assad já foi incluída na Women in Fintech Powerlist 2017, lista que reúne as mulheres mais influentes do mundo no segmento das fintechs, e ficou na 115ª posição entre 160 pessoas no ranking Fintech Influencers Iberoamerica 2017.
Juliana Assad
Por fim, temos Miriam Oshiro, cofundadora da startup OriginalMy, especializada em realizar provas de autenticidade e identificação pessoal via blockchain. Oshiro é engenheira química especialista em engenharia de processos, atuando com gestão desde 2013 e atualmente coordena as áreas financeira e de operações da OriginalMy.
Miriam Oshiro
Entrada no universo blockchain
A experiência financeira prévia foi um dos fatores que levou nossas entrevistadas a conhecerem a tecnologia blockchain. O fato de já ter atuado no mercado financeiro levou ao interesse de Juliana Assad pelo tema.
“Eu ouvi falar sobre o assunto (criptomoedas), mas apenas em 2016 resolvi estudar mais a fundo. A virada de chave foi uma noite de quinta-feira que parei para ler o artigo do Satoshi. Foi um momento eureka. Eu entendi o impacto daquilo tudo sobre tudo que eu conhecia de tecnologia e finanças”, explicou.
Já Ingrid Barth teve, além da experiência prévia no mercado financeiro, a “influência” de um cliente como estímulo para aprofundar seus estudos.
“Quando eu comecei na primeira fintech que eu trabalhei, um dos principais clientes Pessoa Jurídica (eu era head do produto PJ) foi uma exchange de criptomoedas, e a maneira que eu encontrei de pensar em melhores produtos e serviços foi estudar esse universo. Foi um caminho sem volta, foi então que descobri sobre blockchain e todo o universo da criptoeconomia.”
No caso de Miriam Oshiro, o contato com a blockchain e as criptomoedas partiu do sócio dela na OriginalMy e também seu marido Edilson Osório Jr. Segundo ela, o assunto se mostrou muito “intrigante” por tratar-se de uma nova forma de dinheiro.
“Era muito intrigante pensar que algo criado por um computador estava sendo utilizado como dinheiro! E como as pessoas não poderiam simplesmente ‘copiar e colar’ mais desses dinheiros em suas carteiras, no começo era tudo muito surreal e fascinante”, ressalta.
Participação feminina no mercado
O assunto sobre a participação de mais mulheres no mercado de blockchain e criptomoedas – seja como investidoras, empreendedoras, entusiastas ou trabalhando – foi um ponto em comum abordado nas entrevistas.
Assad destacou que, apesar do setor ter um predomínio de homens, existem muitas mulheres desempenhando trabalhos competentes.
“Vejo mulheres incríveis de outras áreas, como direito, empreendedorismo, marketing, fortalecendo o ecossistema. Como mulher, a minha batalha é para trazer mais mulheres para tecnologia e inovação, não podemos ser uma minoria tão gritante num mundo cada vez mais technology oriented”, explicou.
O chamado “lugar de fala” das mulheres também foi destacado como uma dificuldade à participação feminina no ecossistema. Barth destacou que isso pode até levar à desistência por parte de muitas mulheres.
“Por incontáveis vezes eu fui interrompida em reuniões e conversas, mesmo quando o assunto era da minha competência. Depois você percebe que é constante, e de tão constante e cansativo, as mulheres podem acabar desistindo de se impôr e exigir que sejam ouvidas.”
Esse comportamento de hostilidade não se resume apenas a interrupções em falas de mulheres. Oshiro destacou a agressividade que muitos homens demonstram ao lidar com mulheres – algo que ela já vivenciou na prática mesmo em postagens de redes sociais envolvendo a OriginalMy.
“Alguns homens fazem questão de manter o ambiente hostil para as mulheres, com isso alguns grupos foram criados exclusivamente para mulheres, para que as que estão começando não tenham vergonha de perguntar, de esclarecer as dúvidas e mesmo assim alguns homens criaram perfis falsos para entrar e continuar hostilizando, é um comportamento muito estranho”, afirmou.
Oportunidades e cultura
A cultura envolvendo a participação feminina em áreas como tecnologia e finanças também pode ser um fator que dificulta a participação de mulheres, que muitas vezes não são encorajadas a ingressarem nessas carreiras.
“Acho importante ressaltar que culturalmente, as meninas não são incentivadas a seguirem nas áreas de exatas, muitas nem sabem que ser engenheira, cientista, física é uma opção”, destacou Oshiro. Opinião semelhante é partilhada por Assad. “As criptomoedas e blockchain permeiam dois temas muito relacionados ao universo masculino: tecnologia e finanças. E como consequência existe também um reduzido número de mulheres atuando nesta área com o viés tecnológico.”
A cultura empresarial em relação ao trato com as mulheres foi apontada por Barth como algo que deve ser melhorado para facilitar a inclusão feminina. “Também falta uma preocupação genuína para que a cultura das empresas e startups seja receptiva e acolhedora desde de o início, mostrando que a cultura de respeito à diversidade pode sim ser implementada desde o momento zero”, afirmou.
Ela também compartilha da opinião de que muitas vezes as áreas de tecnologia, finanças e similares não são bem apresentadas para as mulheres.
“Além disso precisamos mostrar que o ambiente de tecnologia precisa de muitos outros skills, como os de negócios, jurídico, projetos, processos, operacional, etc, o que permite uma maior abrangência de profissionais mulheres também.”
Diversidade e oportunidade para mulheres, aliás, é a marca da OriginalMy. Segundo Oshiro, a empresa possui 50% do seu quadro de colaboradores composto por mulheres. A diversidade, segundo ela, faz parte do DNA e cultura da empresa.
“Este é um dos nosso principais pilares: ser um ambiente que respeita TODAS as diferenças. Aqui nós não só temos uma forte equipe feminina, elas são líderes e acho que este fato ajuda muito a manter a cultura da empresa”, ressalta.
Mulheres como investidoras
Se a participação feminina como líderes ou empreendedoras ainda é pequena no ecossistema, como investidoras de criptomoedas não é diferente: uma pesquisa realizada pelo Criptomoedas Fácil mostrou que apenas 7% dos investidores de criptomoedas são mulheres.
Para Assad, parte da explicação desse baixo número passa pelo perfil mais conservador das mulheres em termos de investimentos.
“As mulheres possuem historicamente um perfil de investimento mais conservador. Mesmo na bolsa de valores, o número de mulheres no Brasil não passa de 25%”. A mesma opinião é compartilhada por Barth. “Minha opinião é que o perfil feminino de investimento é um pouco mais conservador, sem nenhum demérito nisso aliás.”
Ela destaca também outro fator: a pouca maturidade do conhecimento sobre criptomoedas. “Assim como para grande parte das pessoas no Brasil, o assunto é novo e precisa ainda de um tempo para ser aprendido e assimilado”, explicou.
Entretanto, as três demonstraram um grande otimismo a respeito do crescimento da participação das mulheres como investidoras. É o caso de Oshiro, que destacou o aumento da participação de mulheres também nos mercados tradicionais.
“Um ponto que me deixa orgulhosa é o fato das mulheres estarem cada vez mais envolvidas com investimentos, não necessariamente em criptomoedas, mas investimentos em CDI, tesouro direto, fundos de investimento imobiliário, ações. Até alguns anos atrás, não era muito comum mulheres investidoras.”
Outro ponto é a busca por conhecimento sobre criptomoedas direto de mídias especializadas, que tratam o tema de forma mais adequada para quem busca aprender.
“Essas mulheres estão buscando conhecimento, que elas ultrapassaram a barreira da mídia comum que só associa criptomoedas a coisas ruins”, ressaltou Oshiro.
Para que esse aumento seja ainda maior nos próximos anos, a solução passa pela superação de diversas crenças que limitam a participação feminina. “Precisamos abandonar definitivamente a crença que dinheiro, investimento e tecnologia é assunto de homens. É um assunto de todos!”, frisou Assad.
Oshiro e Barth também mostraram-se otimistas com o futuro das mulheres na blockchain.
“Para os próximos anos, acredito que a tendência é de crescimento, vejo cada vez mais mulheres engajadas, com iniciativas incríveis, estou bastante confiante no crescimento”, afirmou Oshiro.
Barth finalizou com três palavras certeiras (e otimistas):
“Isso vai acontecer!”
E assim sendo, que o dia 08 de março passe a ser considerado não apenas o Dia Internacional da Mulher, mas também o Dia Internacional das Mulheres na Blockchain.
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