Algumas vezes, o próprio empreendedor tem os recursos necessários para realizar projetos inovadores. Outras vezes, o empreendedor reúne sócios para que ajudem a financiar a iniciativa. Mesmo assim, uma série de projetos fica só na ideia, ou no papel, sem conseguir nascer.
A internet pode ser uma excelente aliada na hora de buscar alternativas de financiamento para realizar esses projetos que estão no papel. Por meio de plataformas colaborativas, muitas pessoas ou equipes já estão cadastrando seus projetos e conquistando o apoio de diversos colaboradores para a sua realização. Trata-se do chamado crowdfunding (ICO), ou financiamento coletivo.
Confira a entrevista com Dorly Neto e Diego Reeberg, dois brasileiros responsáveis por plataformas que já ajudaram uma série de projetos a sair do papel por esse tipo de financiamento.
Neto estuda Relações Públicas nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e é especialista em Redes Sociais e Inovação Digital pela ESPM-SP. Já trabalhou com inovação de produtos da web nos jornais SRZD e Lancenet! e atualmente dedica-se à Benfeitoria.com.br, uma plataforma de engajamento coletivo para projetos transformadores.
Confira nossas sugestões de Pre-Sales para investir agora
Reeberg é um empreendedor apaixonado por tecnologia, por educação e por discutir como viver bem. É um dos fundadores do Catarse.me, a primeira plataforma brasileira para financiar projetos criativos de forma colaborativa, e um dos editores do blog CrowdfundingBR, fundado para promover e educar as pessoas sobre essa modalidade de financiamento. É graduando em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
Entrevista com Dorly Neto e Diego Reeberg
Como você define crowdfunding? Qual é a diferença entre esse tipo de financiamento coletivo e a tradicional vaquinha?
Dorly Neto – O crowdfunding segue a dinâmica da vaquinha, ao partir do princípio de que pessoas colaboram e, juntas, realizam o que antes não poderiam fazer sozinhas. A diferença é que, agora, essa modalidade é potencializada pela internet. Não existe nada de mágico nesse processo, é apenas uma forma poderosa de realização e de engajamento de pessoas.
Diego Reeberg – Começaria com uma definição mais ampla, no seu sentido mais literal e abrangente: crowdfunding é o financiamento de uma iniciativa a partir da colaboração de um grupo (pode ser pequeno ou muito grande) de pessoas que investem recursos financeiros nela. Se você pegar essa definição, a vaquinha também se encaixa.
Já o termo crowdfunding foi criado recentemente, em 2006, e, apesar de poder representar esse conceito mais amplo, é muito mais utilizado quando falamos sobre projetos/empresas financiados de forma coletiva (várias pessoas contribuindo) por meio de uma plataforma online.
Talvez a diferença seja que a vaquinha tem como meta arrecadar dinheiro para um objetivo, uma realização de uma pessoa ou do grupo que contribui com a vaquinha, sendo que esse objetivo geralmente está relacionado ao consumo (comprar um presente para um amigo, uma geladeira para o escritório e por aí vai).
Um projeto de crowdfunding tem um objetivo que extrapola o conceito de vaquinha: criar uma obra de arte, iniciar uma empresa. O retorno não é para o grupo específico, mas para a sociedade.
O que motivou o surgimento do crowdfunding? Qual é a oportunidade desse tipo de financiamento?
Dorly Neto – Alguns problemas estruturais da sociedade motivaram o nascimento de novos mercados, principalmente dos que privilegiam a cooperação entre as pessoas. Começamos a perceber que não é mais preciso ter produtos, e sim buscar seus benefícios. Não precisamos da furadeira, e sim do furo. Nesse novo cenário, o crowdfunding surge como uma alternativa de produção e consumo mais colaborativa, participativa e poderosa.
Diego Reeberg – O atual movimento de crowdfunding tem, para mim, dois principais motivos. As formas tradicionais de financiamento não davam conta de abarcar todos os tipos de projeto que precisavam de grana, seja porque o projeto poderia requerer poucos recursos – e o financiamento público não dá conta disso –, seja porque o empreendedor/artista quer mais independência do que uma forma tradicional de captação pode oferecer.
Além disso, o avanço da internet, principalmente após as ferramentas de interação terem se consolidado, facilitou que uma boa ideia/projeto se espalhasse para muito mais gente do que a rede de pessoas próximas, extrapolando os limites geográficos que restringiam de onde viria o financiamento.
Há tipos de crowdfunding ou todos os sites funcionam da mesma forma?
Dorly Neto – Há uma dinâmica que os principais sites de crowdfunding seguem: a relação de pedidos e recompensas; o fato de ser tudo ou nada (se não arrecadar o valor mínimo pedido no tempo estipulado, o dinheiro volta pra mão das pessoas que contribuíram); e a possibilidade de ser tudo em tempo real, online.
Porém, as plataformas se viabilizam cobrando de 5 a 15% de comissão dos projetos. Como diferencial, a Benfeitoria foi a primeira a não cobrar comissão, além de aceitar pedidos não financeiros.
Diego Reeberg – Há várias plataformas diferentes. No Brasil, destacam-se as decrowdfunding em geral e as de nicho. O primeiro tipo são sites mais amplos que aceitam projetos diversos (de cultura, de empreendedorismo, de jornalismo etc.).
Normalmente, tem-se uma curadoria para avaliar os projetos que podem entrar no site. Em seguida, são definidos o prazo de captação, a meta financeira e as recompensas (produtos e serviços oferecidos para quem apoiar o projeto, de acordo com o valor colaborado). Se o projeto atinge a meta no prazo estipulado, ele é considerado bem-sucedido, e o realizador recebe o dinheiro. Se não, o valor é devolvido para os apoiadores.
Sobre as plataformas de nicho, há o exemplo do Queremos, uma produtora de shows que financia bandas e músicos através de crowdfunding. O Queremos arrecada pelo site o montante necessário para o show acontecer. Depois disso, são vendidos ingressos normalmente.
De acordo com o tanto de ingressos vendidos, as pessoas que fizeram o show acontecer vão recebendo o dinheiro de volta, sendo que elas podem acabar recebendo todo o “demanding” e ir ao show gratuitamente.
Fora do Brasil existe um forte movimento para financiar startups por crowdfunding, com retorno financeiro e societário para quem investir nos projetos. Aqui no Brasil a legislação não permite esse tipo de operação.
Que tipos de projetos podem obter financiamento coletivo?
Dorly Neto – Qualquer projeto que tenha definido a meta mínima de arrecadação, que ofereça boas recompensas e que consiga engajar uma rede de pessoas compatível com a demanda do projeto.
Diego Reeberg – Quase todo tipo. É mais uma questão de procurar uma plataforma que se encaixe no perfil do projeto.
Quais projetos costumam ter mais sucesso? Quais são as melhores estratégias para que os projetos tenham sucesso? Podem dar exemplos?
Dorly Neto – Não existe uma estratégia padrão. Cada projeto tem a sua singularidade. É preciso ter em mente que o dinheiro não cai do céu. A parte da campanha no site é só uma das etapas. É preciso ensinar às pessoas o que é crowdfunding e transformar os colaboradores em evangelistas que divulguem o projeto junto com você.
Diego Reeberg – Três são os fatores principais para um projeto dar certo (pelo menos no Catarse): a paixão do realizador do projeto (fundamental para ele convencer pessoas a colaborar com a iniciativa); planejamento/execução da campanha (desde a elaboração do vídeo de apresentação do projeto até a estratégia de comunicação a ser utilizada nas redes sociais); rede de contatos (grande parte dos apoiadores serão pessoas próximas ou das redes dessas pessoas).
Financiar um projeto colaborativamente vai ser muito difícil sem a existência de uma rede bem estruturada para sustentar o projeto.
Há algum cuidado a ser tomado na obtenção de financiamento coletivo?
Dorly Neto – Sim, é preciso ter cuidado para saber se há capacidade de entregar todas as recompensas e se, com o mínimo pedido, é possível mesmo realizar o projeto.
Diego Reeberg – Penso que é preciso um cuidado, depois de financiar o projeto, com todos os que o apoiaram. Lidar com esse grupo de pessoas que acreditou na iniciativa a ponto de colocar dinheiro nela é crucial para o realizador construir uma comunidade ao redor do que ele propôs.
Outro cuidado básico é não realizar spam durante a campanha, o que prejudica mais do que beneficia.
E, por fim, não se pode achar que, pelo fato de o projeto estar numa plataforma, surgirão pessoas do nada para apoiá-lo. Captar via crowdfunding dá muito trabalho e exige disposição e atenção diária com a campanha para ela dar certo.
Essa modalidade de financiamento coletivo pode ser inadequada para algum caso? Em que casos seria melhor recorrer a um banco, a um investidor-anjo ou a uma “venture capital”?
Dorly Neto – Não é recomendado para pessoas que não tenham recompensas para entregar, que ainda precisem de muito dinheiro ou que não tenham uma rede muito grande para divulgar o projeto.
Diego Reeberg – Crowdfunding não é uma maneira fácil de captação de recursos. Ele é mais recomendado para os seguintes casos:
- O responsável pelo projeto acredita que é importante ser independente: não ter ninguém com poder financeiro para dar palpite nos rumos do projeto, interferindo no desejo do realizador – isso é bastante comum no meio artístico.
- O projeto é “crowd” por excelência. O Ônibus Hacker é um bom exemplo disso: o projeto se iniciou numa comunidade e tinha como objetivo beneficiar milhares de pessoas Brasil afora. A lógica da colaboração já estava enraizada no projeto.
- Projetos que não tenham um modelo de negócios, porque não terão nem como atrair investidores nem como pagar juros bancários.
- Projetos de pequeno porte. No Catarse, muitos dos projetos captam de R$ 1.000 a R$ 10.000, valores que em geral não são financiados por investidores/financiamento público.
- Realizadores que não querem encarar burocracias inerentes a outras formas de captação – o crowdfunding é pouquíssimo burocrático.