Para quem não conhece muito sobre Direito e sobre convenções internacionais, o conceito de Imunidade do Mensageiro pode não ser muito familiar. É um conceito que surgiu muito tempo atrás, não se pode precisar exatamente quando, mas existem relatos na Grécia e Roma antigas. Basicamente ele diz que um mensageiro que traz uma carta não é responsável pelo seu conteúdo, não pode ser obrigado a revelar de onde veio, não pode ser punido por carregar e não é obrigado a ter conhecimento do que está carregando e nem pode ser esperado dele qualquer medida a respeito. Isso queria dizer que o mensageiro que levava uma carta de declaração de guerra de um rei pra outro gozava de uma certa proteção legal que impedia que ele fosse simplesmente assassinado ou torturado por isso. O carteiro que entregasse uma das cartas bomba do terrorista Unabomber (cá entre nós, estreou uma série sobre ele no Netflix, Manhunt: Unabomber que é incrível, recomendo) não era o responsável pelas mortes e feridos pois não se poderia esperar que ele detectasse os explosivos.
Mais recentemente, existe um conceito internacional derivado desse que se destina à Internet chamado Neutralidade da Rede. Isso significa que não só os provedores de acesso não são obrigados como também são proibidos de filtrar dados, por exemplo, cobrar mais por acesso ao Youtube, ou simplesmente bloquear o tráfego de sistemas de compartilhamento de arquivos como Torrent (princípio que foi desrespeitado de forma gritante em relação ao Torrent).
Na legislação brasileira em teoria o Marco Civil da Internet diz que a Neutralidade da Rede é obrigatória. Uma quantia X de dados entrando ou saindo tem que ter o mesmo tratamento independente se é pra streaming, torrent, pesquisa científica ou comunicação de serviços de mensagem como Whatsapp, Telegram, Messenger, ou até mesmo transações na Blockchain. A legislação americana sobre isso está passando por reformas. Estão discutindo abolir a Neutralidade da Rede, assim haveriam pacotes de dados que contemplariam categorias diferentes com preços diferentes, por exemplo, pra acessar notícias seria uma tabela de preços, pra acessar streaming de filmes no Netflix uma outra, o governo poderia ter o direito de pedir pra uma provedora de acesso simplesmente bloquear o Torrent, ou até mesmo censurar plataformas de streaming como o Youtube. Existe a possibilidade de um governo obrigar provedores a reduzir a velocidade ou coletar, armazenar e analizar dados sobre transações de criptomoedas.
Considerando que muito do tráfego da Internet como um todo passa pelos EUA, isso poderia gerar problemas em escala global. É claro que com todo problema surgem oportunidades de negócio pra pessoas que decidam contornar ele, seja por tecnologias que mascarem o tráfego de dados, criptografia, VPN’s, pontos de acesso que passem completamente por fora dos EUA por exemplo, aumentando a demanda por provedores de serviço em países onde a legislação proteja o consumidor de serviços de Internet. Isso geraria toda uma demanda de postos de trabalho qualificado e infraestrutura paralelos aos já existentes, movimentando grandes quantias de dinheiro, criando e expandindo nichos de mercado. Já se especula que pra a Internet se manter saudável e livre como é hoje, é preciso que ela seja ainda mais descentralizada e que novas vias de acesso que dependam menos desses pontos centralizadores de tráfego possam surgir pra competir. A forma como as decisões políticas de cada país ou região vão facilitar ou burocratizar esse processo de formação de novos players nesse mercado é estratégica e instrumental na nova topologia política, legal, cultural e financeira da Internet como a conhecemos nos próximos anos.
O que é certeza é que países que elaborarem legislações competitivas, progressistas e que abram o mercado das telecomunicações pra concorrência e abertura massiva de infraestrutura irão atrair empregos e movimentar sua economia de forma surreal. O oposto também é verdadeiro. Países protecionistas que mantenham monopólios oligárquicos ligados ao velho sistema, que não estejam abertos a concorrência e desenvolvimento podem muito bem mergulhar em uma nova Era das Trevas……
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O que isso afeta as criptomoedas? Bem, o risco de banimento forçado ou filtragem e super vigilância estatal é sempre preocupante, mas isso pode ser um massivo incentivo pra tornar a Internet como um todo mais similar à Blockchain, com sistemas P2P, conexões múltiplas e descentralizadas, eliminando gargalos de comunicação, pontos centrais de falha, etc. Isso pode ser muito bem o fim de tudo ou o começo de uma nova era da Internet. Como sempre com todos esses meus posts meio especulativos, a verdade está em algum lugar entre o pessimismo extremo e o otimismo utópico, só o tempo dirá de verdade de qual parte desse espectro ela se avizinha mais.