Este é o quarto episódio de uma série de entrevistas com candidatos às eleições de 2018 que investem ou endossam as criptomoedas e a tecnologia blockchain em suas propostas de campanha.
Ao contrário dos demais entrevistados, que concorrem a cargos federais, o candidato de hoje é um candidato a deputado estadual pela Paraíba. Lucas de Brito Pereira, membro do partido Verde (PV), é advogado e vereador eleito em João Pessoa, capital do estado, por dois mandatos (2012 e 2016).
Pereira foi um dos responsáveis por regulamentar a lei municipal nº 13.041/2015, que possibilita a proposição de leis de iniciativa popular no município. Leis como essa já são previstas inclusive na Constituição brasileira, mas nunca foram implementadas devido a problemas de ordem logística, como a dificuldade em coletar e validar as assinaturas necessárias – é preciso no mínimo 1% do eleitorado assinar um projeto desse tipo.
O problema foi solucionado através de um aplicativo chamado Mudamos+. Desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS/Rio), o aplicativo possibilita que projetos de lei de iniciativa popular possam ser cadastrados e votados através do computador ou até de um smartphone.
Por meio da parceria da Câmara Municipal da cidade com o ITS/Rio, João Pessoa tornou-se a primeira cidade do Brasil a utilizar a tecnologia para permitir o exercício da “democracia digital”. E todos os projetos votados no aplicativos são acolhidos pela Câmara.
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A segurança das informações, um dos obstáculos que impedia a efetivação da iniciativa popular, é garantida através do uso da tecnologia blockchain: o Mudamos+ utiliza a API da empresa brasileira OriginalMy. Além da API, o aplicativo também utiliza a engine da empresa para registrar as identidades e as assinaturas dos cidadãos, além de uma rede paralela (sidechain) que permite a escalabilidade das assinaturas – algo fundamental quando falamos de projetos que podem ter milhares ou até milhões de assinaturas (caso da Lei da Ficha Limpa, citada por Pereira como exemplo de projeto de iniciativa popular).
Em entrevista concedida ao Criptomoedas Fácil, o vereador paraibano contou sobre como tomou conhecimento do aplicativo, como ele enxerga o papel da tecnologia no exercício da democracia e quais são os planos que ele pretende desenvolver nesse sentido.
Criptomoedas Fácil: Olá, Lucas. Pode nos dizer como você conheceu o aplicativo Mudamos+?
Lucas de Brito Pereira: Em 2015, nós montamos na Câmara de João Pessoa uma Comissão Especial de Estudos para apresentar sugestões à reforma política que, na época, estava sendo discutida no Congresso Nacional. Como resultado dessa discussão e desse trabalho, produzimos um relatório no qual constava expressamente uma proposta do nosso mandato de que fosse facilitado o uso do instrumento constitucional da iniciativa popular de leis. Essa facilitação deveria vir com o uso da tecnologia para validar assinaturas eletrônicas, recepcionar os projetos, fazer os uploads dos arquivos que pudessem ser enviados para a câmara. O resultado disso foi a criação, em 2015, da lei municipal nº 13.041/2015, que trata da democracia digital na iniciativa popular de leis. Coincidentemente, na mesma época, Marlon Reis e o pessoal do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS/Rio) começavam a desenvolver o Mudamos+, que fazia exatamente aquilo que a nossa lei propunha. Nós primeiro criamos a lei e depois íamos desenvolver o nosso próprio aplicativo. Quando tomamos conhecimento do Mudamos+ e do ITS, entramos em contato com eles, de forma institucional, para iniciar um diálogo sobre a implantação do aplicativo. Com isso, a Câmara de João Pessoa se tornou a primeira no país a utilizar o aplicativo para facilitar a participação popular na proposição de leis – já tendo sido pioneira a legislar sobre a iniciativa popular.
CF: O instrumento de iniciativa popular já era previsto na Constituição, mas nunca foi efetivado. Quais foram as dificuldades que vocês encontraram para colocar em prática essa iniciativa popular?
LBP: Esse era um dispositivo constitucional que só existia no papel. Uma das maiores dificuldades era de ordem operacional. Para levar a cabo uma iniciativa desse tipo, era necessário colocar as assinaturas de 1% do eleitorado (nacional, estadual ou municipal). Essas assinaturas eram coletadas de próprio punho, coletadas em ruas, praças e eventos públicos, que demoravam muito para serem coletadas. Além disso, as pessoas hoje têm uma desconfiança generalizada com a política, o que dificulta a apresentação e explicação de um projeto e abordar as pessoas no meio da rua. Isso tudo gerava, do ponto de vista prático, uma imensa dificuldade. Tanto que, no âmbito nacional, o único projeto que chegou perto de coletar essa quantidade de assinaturas e de ter as mesmas validadas pela Justiça Eleitoral foi a lei da Ficha Limpa. E mesmo a Ficha Limpa, depois de todo o trabalho de coleta das assinaturas, ela precisou ser tutelada por um deputado federal para que o esforço não fosse perdido, pois o número de assinaturas não estava sendo suficiente. A Ficha Limpa foi uma lei que ensaiou ser uma iniciativa popular, mas chegou um momento que ela precisou ser tutelada por um parlamentar. Então, o primeiro passo que pensamos foi “tem que haver tecnologia facilitando a vida das pessoas”. E o aplicativo Mudamos+ preenche esse requisito, permitindo a assinatura de projetos de lei pelo computador ou smartphone e fazendo a validação das assinaturas.
CF: Aproveitando que falamos da tecnologia do aplicativo, o que mais chamou a atenção de vocês para que ele fosse escolhido como a ferramenta de efetivação da lei municipal?
LBP: Observamos que enquanto teríamos que fazer um aplicativo do zero, o Mudamos+ já estava pronto e atendia às nossas expectativas. Ele disponibiliza com facilidade e agilidade os projetos para o acesso e votação públicos, e também facilita o envio de propostas de lei por qualquer pessoa que desejar fazê-lo. Tanto que o aplicativo passou a ser utilizado em outras cidades, após ser adotado primeiro em João Pessoa, e também abarca projetos estaduais. Então o usuário pode selecionar qual o tipo de projeto que deseja enviar e se quer a nível municipal, estadual ou federal. Quando percebemos que a tecnologia do aplicativo fornecia segurança na validação de dados e que ele já estava pronto, optamos por incorporar o aplicativo ao invés de criar um novo.
CF: Qual o caminho que o cidadão percorre do cadastro no aplicativo até a assinatura ou proposição de um projeto?
LBP: O cadastro deve ser feito com os dados do cidadão, incluindo CPF e número do título de eleitor. Uma vez cadastrado, qualquer cidadão pode votar nos projetos de lei disponíveis, ou enviar arquivos e documentos no aplicativo para que estes tornem-se uma iniciativa popular disponível para assinatura no Mudamos+. Em seguida, é necessário um número mínimo de assinaturas Hoje, em João Pessoa, a Lei Orgânica do Município reduziu esse número de 1% para 0.5% do eleitorado municipal. Após a obtenção do número mínimo de assinaturas, a matéria inicia o processo legislativo. A câmara municipal transforma a proposta em um processo físico de papel – estamos em mudança para processo digital. O projeto contém toda a relação de pessoas que assinaram o projeto. Então, o projeto segue todo o processo de tramitação na câmara, com distribuição na Comissão de Constituição e Justiça para um relator, receberá um parecer, será votado na Comissão – podendo ser votado em uma segunda comissão – e, por fim, com a aprovação nas comissões, segue para votação no plenário. Sendo aprovado, vai para sanção do prefeito. Sancionado, o projeto se torna uma lei municipal, lei essa gerada pela iniciativa popular.
CF: Você tem conhecimento se algum projeto de iniciativa popular lançado no Mudamos+ virou lei?
LBP: Aqui em João Pessoa, ainda não temos nenhum projeto com a quantidade mínima de assinaturas no Mudamos+, nem uma lei que foi apresentada e aprovada com o DNA da iniciativa popular.
CF: E quais são os desafios que você acredita que existem para uma maior aceitação da iniciativa popular digital entre a população?
LBP: Precisamos, em primeiro lugar, pensar em políticas públicas de inclusão digital. Muitas pessoas, mesmo nas camadas mais populares, possuem um smartphone, mas ainda não sabem utilizar ferramentas desse tipo. Uma inclusão digital pressupõe uma orientação que poderia até ser uma matéria, ainda que facultativa, dentro do ensino público local. Vencida a barreira da inclusão, é necessário vencer a barreira da participação política que não se restringe às eleições. Precisamos acabar com essa cultura de restringir a participação popular apenas ao voto e começar a estimular a participação constante. Ferramentas como as iniciativas populares, plebiscitos e referendos são exemplos de mecanismos de estímulo que existem na Constituição. No âmbito local, temos estimulado essa participação por meio de iniciativas do nosso mandato. Uma das nossas iniciativas foi o programa Aprendiz de Vereador, que virou referência para a nossa Câmara municipal e hoje é institucionalizada. O programa possibilita um estágio de 3 semanas que traz para dentro da casa Napoleão Laureano o jovem estudante universitário, para que este tenha a oportunidade de conhecer de dentro o funcionamento da Camara, entender como funciona o processo legislativo e poder participar ativamente desse processo, utilizando os seus conhecimentos aprendidos na universidade. Com essa iniciativa, procuramos contribuir para superar esse obstáculo da participação política.
CF: De que forma você acredita que essa tecnologia pode auxiliar a administração pública para além das iniciativas populares?
LBP: Temos participado, na Câmara, como fundadores da Rede Intelicidades. Essa é uma rede que reúne atores da sociedade civil, do meio universitário e da política, para criar um espaço de discussão em prol da construção de cidades mais inteligentes e uma gestão pública mais tecnológica. A Rede Intelicidades se propõe trazer para dentro da gestão pública a tecnologia que permitiu à iniciativa privada alcançar índices de produtividade extremamente animadores. Em poucos anos, houve uma escalada de produtividade na iniciativa privada graças à tecnologia, e a gestão pública precisa seguir o mesmo caminho. Precisamos fortalecer o conceito de cidades inteligentes, e esse conceito passa pela absorção da tecnologia no âmbito da gestão pública.
CF: Você é candidato a deputado estadual. Quais são as suas propostas para expandir as iniciativas de tecnologia e democracia digital para o estado da Paraíba?
LBP: O que conseguimos implementar em João Pessoa, com a democracia digital via aplicativo, iremos levar para a assembleia. Faremos o Aprendiz de Deputado, inspirado no Aprendiz de Vereador, e permitir que estudantes de todo o estado participarem do dia-a-dia da assembleia com todo o suporte do órgão. Queremos oxigenar a assembleia, que precisa de uma modernização. Ainda temos muitos deputados que são eleitos através da velha política, com compra de votos e outras práticas negativas. Isso levou a um órgão estagnado, parado no tempo, com representantes que em sua maioria representam apenas o poder econômico. Enxergamos uma possibilidade de renovação na assembleia.