Uma análise recente feita por um especialista do próprio Banco Central revelou um risco que poucos investidores em criptomoedas conhecem: se a corretora onde você deixa seu Bitcoin falir, a lei brasileira atual não garante que você consiga recuperar seu dinheiro.
O estudo, de autoria de Marcus Paulus de Oliveira Rosa, procurador do Banco Central, em coautoria com Guilherme Centenaro Hellwig, está presente na publicação “Control and Ownership of Digital Assets“.
Nele, os autores explicam que a maioria das corretoras de criptomoedas opera no modelo denominado “shadow custody” (custódia em sombra). Nesse arranjo, os criptoativos dos clientes, por serem fungíveis, são comumente mantidos em um pool indistinto, controlado única e integralmente pela empresa.
Apesar de o aplicativo da corretora exibir um saldo nominal para cada cliente, juridicamente não há um vínculo de propriedade (jus in rem) do investidor sobre uma fração específica daquele conjunto de ativos. O que existe é um direito pessoal (jus in personam), ou seja, uma mera promessa contratual da empresa de restituir um valor equivalente.
Em termos práticos, essa estrutura assemelha-se a um grande cofre. A corretora deposita todos os ativos dos clientes em conjunto e controla a única chave que guarda esse cofre. A interface do usuário indica que ele possui, por exemplo, 0,5 Bitcoin, mas a corretora não guarda esse montante dentro de um cofre específico em nome do investidor.
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Credor comum: final da fila
Nesse sentido, a falência da custodiante pode trazer sérios prejuízos para os investidores. A ausência de uma lei que imponha a segregação obrigatória desses ativos incorpora todo o conteúdo do “cofre” ao patrimônio da empresa falida.
Dessa forma, na disputa judicial pela massa insolvente, a ausência de regra específica enquadra os investidores na classe dos credores quirografários (ou comuns). Conforme a ordem de prioridade estabelecida pela Lei de Falências, o juiz só chama essa classe a receber após a quitação integral de credores trabalhistas, tributários e daqueles com garantias reais. Nessa situação, raramente sobram ativos para os credores comuns.
Em contrapartida, o estudo aponta que modelos de custódia com segregação patrimonial efetiva (“indirect custody“), ainda que também envolvam a guarda coletiva de ativos fungíveis, criam um patrimônio de afetação separado do patrimônio da empresa. Essa estrutura, presente em outras áreas do mercado financeiro, oferece muito mais segurança ao investidor, pois isola os ativos dos riscos de crédito da custodiante.
Por exemplo, se você compra ações de uma empresa numa corretora, existe uma obrigação legal de que essas ações sejam registradas em seu nome em um sistema separado do patrimônio da empresa. Se a corretora quebrar, suas ações continuam suas, intocadas. O risco é apenas o valor delas cair, não o de a corretora sumir com elas.
É preciso mudar a lei
O procurador do Banco Central aponta que uma lei que obrigue as corretoras a operarem como as instituições de pagamento criaria o caminho para maior segurança. Nesse modelo, a empresa mantém o dinheiro dos clientes em conta separada e intocável.
Enquanto o Congresso Nacional não aprovar uma legislação específica, como a proposta no PL 4932/2023, a máxima do setor — “not your keys, not your coins” (“se não são suas chaves, não são suas moedas”) — permanece como uma realidade jurídica no Brasil.
A conclusão técnica do estudo reforça que o investidor só assegura a propriedade plena e a proteção contra o risco de insolvência de uma corretora mantendo o controle exclusivo sobre suas chaves privadas, por meio de uma carteira de criptomoedas auto-custodiada. Na configuração jurídica atual, manter ativos em plataformas de terceiros implica que o investidor assume também o risco creditício da empresa.

