Constava no sistema informatizado de visitas da Câmara dos Deputados, em Brasília, um registro de uma visita do Adélio, exatamente no dia em que ele estava em Minas Gerais em sua mal-sucedida tentativa de assassinar o candidato à presidência da república Jair Bolsonaro. Se ainda vale a lei da física que uma mesma pessoa não pode estar simultaneamente em dois lugares distintos, a conclusão perturbadora é que alguém falsamente plantou essa informação no sistema. Se esse tal sistema usasse uma blockchain ou algo semelhante como à tecnologia subjacente, talvez o público pudesse investigar a questão a fundo.
A explicação que veio do diretor da Polícia Legislativa foi que um recepcionista, por pura curiosidade, decidiu efetuar uma consulta para ver se Adélio havia estado lá e se confundiu na operação do sistema, acabando, inadvertidamente, sem má-fé alguma, inserindo um registro ao invés de consultando um registro. Teria sido mais convincente se tivessem divulgado telas mostrando a semelhança visual e operacional entre as duas ações naquele sistema, mas nem sequer isso foi oferecido.
Praticamente todos os sistemas informatizados tradicionais têm um calcanhar de Aquiles: sempre há um ou mais usuários especiais, chamados de “administradores”, que têm acesso total e irrestrito ao sistema. Podem inserir registros falsos ou remover registros verdadeiros, e, se feito competentemente, a adulteração pode não deixar absolutamente nenhuma evidência. Observadores externos não têm acesso às entranhas do sistemas; perícias são trabalhosas, caras e interromperem o funcionamento normal, só sendo feitas quando há suspeitas graves – e ainda assim sob sério risco de resultados inconclusivos.
Já as blockchains são estruturas de dados concebidas desde o princípio para serem auditáveis mesmo por participantes externos – assumem, de saída, que não deve ser necessário confiar em ninguém, nem mesmo nos “administradores”. O histórico de transações e as entranhas do sistema ficam continuamente expostos e todos os participantes atuam como auditores, conferindo os registros e/ou cálculos dos demais. Além disso, os dados previamente inseridos ficam praticamente imutáveis poucos minutos após terem sido inseridos; qualquer tentativa de adulteração poder ser prontamente detectada e rejeitada. A auditoria não é uma ocorrência ocasional que sobretaxa o dia-dia; ela é parte integrante e contínua da operação normal.
Se o sistema de registros de visitas da Câmara fosse baseado em blockchains abertas, teríamos, senão a tão almejada transparência, pelo menos meios mais efetivos de nos aproximarmos dela: qualquer cidadão poderia confrontar independentemente a versão da Polícia Legislativa em relação aos dados constantes no sistema. A mera existência desses mecanismos talvez já servisse para coibir tentativas de adulteração, ante a certeza que seria submetida ao escrutínio público, ou, pelo menos, escancararia muito da sujeira varrida para debaixo do tapete.
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Se temos essa tecnologia, por que não adotá-la amplamente nos mais diversos setores da administração pública? A insistência em sistemas de informática obscuros e silenciosamente adulteráveis é um desserviço à sociedade que precisa acabar.