Durante boa parte dos 10 anos de vida do Bitcoin, eu vi surgir todo tipo de ideia mirabolante mundo afora em cima desta brilhante invenção. Recentemente, contudo, me informaram sobre a mais nova empreitada brasileira: a certificação de profissional em criptoeconomia que está sendo proposta pela Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto).
Gostaria que as pessoas que estão no mercado de Bitcoin há algum tempo refletissem um momento sobre a seguinte questão: quanto tempo é necessário para entender o que é, como funciona e para que serve o Bitcoin?
Se você não conseguiu responder objetivamente essas perguntas, meus parabéns, você é uma pessoa lúcida!
A complexidade da invenção de Satoshi Nakamoto é tão monumental que qualquer pessoa séria envolvida com esta tecnologia irá dizer que a jornada de conhecimento em torno do Bitcoin se renova a cada dia e que se trata de um eterno aprendizado.
Ninguém, absolutamente ninguém, em sã consciência deveria afirmar que é possível fazer um treinamento de 10 horas e obter “uma compreensão de conceitos de Bitcoin e criptoativos, Economia, mercado, além de descrever o procedimento de negociação e a maneira pela qual a criptomoeda é comprada e vendida”. Mas, infelizmente, é exatamente isso que coloquei entre aspas que a ABCripto está querendo vender ao mercado: uma certificação que, segundo um documento público no site da associação, precisará de um treinamento de 10 horas do candidato que quiser tentar tirá-la.
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A ABCripto, que tem várias exchanges como membros apoiadores, está tentando criar um mercado de certificação de profissionais de Bitcoin com base em três justificativas:
i) Estabelecer e governar padrões mínimos para credenciar profissionais especializados em Criptoativos;
ii) Informar ao público que indivíduos credenciados atendem ou excedem os padrões mínimos; e
iii) Reforçar a experiência em criptoativos como uma profissão única e autorregulada.
Na minha visão, essas justificativas são questionáveis. Afinal, que padrões mínimos são esses? Quem os definiu? Esses padrões abarcam a natureza multidisciplinar do Bitcoin e seus derivados? Por que essa certificação concede a alguém um título profissional neste mercado? Em qual área, especificamente? A pessoa poderá procurar emprego como desenvolvedor? analista? broker? atendente de telemarketing? Faxineiro de exchange? Vendedor de livro?
E como a associação quer implementar essa certificação? Segundo o site da ABCripto, vendendo a aplicação de uma prova, presencial (R$ 650) ou online (R$ 200), para as pessoas que forem aprovadas postarem no LinkedIn e outras redes que agora são profissionais de criptoeconomia.
Como disse um amigo, o fato de eles oferecerem a realização da prova online poderá fazer surgir um mercado paralelo. “Você paga R$ 200 pela prova e mais R$ 200 para alguém fazê-la para você. Já vou oferecer meus serviços. Garanto, no mínimo, 99% de acerto ou o seu dinheiro de volta”, disse ele, em tom de brincadeira, mas com aquele fundo de verdade.
Fora do Brasil, existe uma certificação parecida. Entretanto, diferentemente da ABCripto, a iniciativa encabeçada pelo CryptoCurrency Certification Consortium, organização sem fins lucrativos e que tem por trás profissionais de excelência do mercado, como Andreas Antonopoulos e Vitalik Buterin, não diz quanto tempo a pessoa precisa estudar para fazer a prova internacional.
No caso da iniciativa da associação brasileira, que aliás parece uma cópia mal feita da certificação internacional, não sei exatamente quem está por trás dessa proposta, mas o fato é que ninguém no Brasil possui nível de excelência comprovado como é o caso das pessoas citadas da CryptoCurrency Certification Consortium.
Outro ponto crítico é que a certificação tabajara de Bitcoin brasileira quer que o profissional renove seus conhecimentos a cada três anos. No mundo da tecnologia e principalmente do Bitcoin, três anos é uma eternidade. Basta observar como o Bitcoin mudou ao longo dos últimos anos. Isso não faz o menor sentido e é outra prova de que as pessoas que estão pensando essa certificação não sabem o que estão fazendo.
Aprender sobre Bitcoin ou criptoativo não é como aprender uma receita de pão. O que essa associação está tentando criar é um mercado de certificações inúteis que não vai acrescentar em nada o ecossistema brasileiro de Bitcoin.
Se alguém quiser se tornar um profissional de Bitcoin, a primeira coisa a se fazer é ler o artigo técnico do Satoshi Nakamoto. Infelizmente, tem gente que leu a versão traduzida para o português do documento há quatro meses e que está tentando criar padrões de certificação profissional para outras pessoas que sequer vão ler os escritos do inventor do Bitcoin.